A
origem do mal.
O
que mais me intriga no filme talvez seja o que mais me atrai. Essa exploração
livre e um pouco caótica do cinema como método de entretenimento e exploração da verdade
histórica. O cinema como arte manipuladora, fazendo da mentira o simulacro da
realidade. Precisamente, começa por escalpelizar, fotograma a fotograma, o
filme realizado em 1922 por Umberto Paradisi «A Noi». Um filme que se inicia em
Nápoles e faz crer na posterior e triunfal chegada de Mussolini a Roma. Afinal, tudo não
passou de um fracasso e de uma encenação pífia com a sistemática duplicação de
imagens, a começar pela ausência da subida em pompa de Mussolini e dos Camisas
Negras da escadaria do soldado desconhecido, pela alteração das datas para
esconder a chuva, a lama ou pela pouca adesão popular às movimentações fascistas.
Além
disso, a belíssima actriz Alba Rohrwacher fala para a câmara
como uma mulher que sentiu o entusiasmo pela ascensão do regime e depois o
confronto deprimente perante as suas bárbaras consequências.
Fala-se
de «O Triunfo da Vontade» de Leni Riefenstahl (1935), de «O «Couraçado
Potemkine» Serguei Eisenstein (1925). Também de «Um Dia Inesquecível» de Ettore
Scola (1977). De outros filmes realizados pelo mundo na década de 20.
Fala-se
de Hitler, de Franco, de Salazar, de Haile Selassie, da Maçonaria. E de como os
rapazes fascistas gostam de aparecer às varandas. Também de Trump, de
Bolsonaro, de Viktor Orbán, de Giorgia Meloni…
Fala-se
de Roma como cenário de teatro e de passeio sobre os vestígios arquitectónicos
do fascismo.
Fala-se,
por fim, da reabertura de uma sala de espectáculos que da provável demolição se
ergueu para assumir o seu papel como Cine-Teatro de intervenção, de estudo, de
discussão da arte social do cinema, onde se mantiveram nas paredes os símbolos esculturais
colocados anteriormente pelo regime de Mussolini.
Um
filme que, através das imagens de recolha histórica, da encenação dramática e
do fio contínuo temporal transportado pela realidade política oferece um
emocional testemunho contra as hifas que o fascismo de Mussolini vem lançando
até aos dias de hoje.
jef,
novembro 2023
«Marcha Sobre Roma» (Marcia su Roma) de Mark Cousins. Com Alba Rohrwacher, Mark Cousins (voz), Donald Trump, Benito Mussolini, Gabriele D'Annunzio, Haile Selassie, Giacomo Acerbo. Argumento: Mark Cousins e Tommaso Renzoni. Produção: Carlo Degli Esposti, Nicola Serra, Antonio Badalamenti. Fotografia: Timoty Aliprandi, Mark Cousins. Itália, 2022, Cores, 98 min.
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