A
história desenrola-se numa Irlanda que ainda se agride com as feridas da
religião e da independência. O padre católico Tom Lawless é assassinado em
Ballyglass na mansão de uma família protestante pouco tradicional, quase em
descrédito financeiro, de costumes e de sanidade emocional. Isto é revelado nas
primeiras cinco páginas deste belo romance policial. Dividido em quatro partes,
estende-se pelas décadas de 1947, 1957 e 1967. Não exactamente por esta ordem.
O
coronel Osborne faz as honras da casa e o taciturno detective Strafford (com r)
deambula pela neve de um inverno rigoroso em busca de pistas. É secundado pelo
sargento Ambrose Jenkins que insiste em manter uma poupa no cabelo, emproada com
Brylcreem, tentando esconder o
formato pouco habitual do seu crânio.
No
fundo, Strafford é o croupier que vai
descrevendo sem julgar as diversas personagens, narrando-se também a si mesmo através
da arreigada solidão, esta que encontra na mansão de Ballyglass a réplica do
cenário do seu próprio passado.
Um
bom romance policial distingue-se pela teimosia da observação morfológica do
narrador, quase humor, quase amor, deixando-nos ir através da cor dos casacos e
do cheiro de salas e esconsos. Pelos tiques e características com que carrega,
risível, cenas e personagens. Um vício diria oitocentista e intemporal. E se
aqui relembro Georges Simenon ou Raymond Chandler é apenas para dizer que John
Banville faz parte desse oratório de fazedores de santos detectives, obstinados
e a um passo da depressão solitária.
Pena
é que a tradução (ou revisão) nos faça tropeçar em gatos e gralhas. Uma
zoologia etimológica que sistematicamente, ao longo do texto, confunde as
coisas distintas que são golas e colarinhos! Mesmo assim não chega para estragar o prazer
da leitura deste magnífico romance.
jef,
junho 2024
Sem comentários:
Enviar um comentário