Talvez
confirmando o escritor Rui Cardoso Martins quando diz que o humor não é aligeirar,
é pelo contrário aprofundar, ou, por outro lado, porque no fim da vida estariam
eles realmente fartos de tragédia, Eça de Queirós escreve o extraordinário «A
Cidade e as Serras» (1900), Verdi compõe o belo mas tão pouco amado (e
shakespeariano) «Falstaff» (1893) e William Shakespeare escreve «A Tempestade»
(1611). A trama começa (uma vez mais) com dois irmãos desavindos em luta pelo
poder, em Itália. Uma tempestade medonha atira para o confinamento de uma ilha
todas as personagens, após naufrágio, onde no final se perdoarão e celebrarão a
união de Miranda, filha de Próspero, duque de Milão, com Ferdinando, filho de Alonso,
rei de Nápoles. Próspero com poderes mágicos (afinal foi ele que provocou a
tempestade, por vingança), o usurpado, perdoa a seu irmão, o usurpador António.
O vinho transforma o servo disforme Calibã e Ariel, angélico e assexuado,
liberta Próspero das algemas dos seus próprios poderes mágicos. Ah e ainda
existe um coelho-mascote que anda perdido pela ilha. Afinal, todos se salvam e
com eles a douta plateia que bate palmas efusivamente, alegre e reconciliada com o mundo.
Manuel
Jerónimo recruta um mar tempestuoso e divertido de actrizes (e quatro actores)
nas oficinas de arte dramática promovidas pela Boutique da Cultura numa
encenação tão viva e tão simples, quanto corrida e libertadora. O teatro
popular (e jamais popularucho!) para todos sobre a clássica questão do crime,
do castigo e do perdão.
Shakespeare
deveria gostar mesmo muito desta colorida versão da sua peça derradeira.
E
o humor (e o teatro) é mesmo a razão mais profunda do nosso quotidiano.
jef,
junho 2024
«A
Tempestade». Adaptação e Encenação: Manuel Jerónimo, a partir de William Shakespeare.
Com Ana Cotrim, Carina Osório, Carolina Sanches, Celeste Gonçalves, Daniel Céu
Silva, Filipa André, Francisco Castelo, Frederico Paradela, Isabel Loureiro,
Luísa Pires, Maria Bogo, Marta Fróis e Susana Marques e Teresa Duarte. Desenho
de Luz: João Rafael da Silva. Operação Técnica: Gustavo Santos. Boutique da
Cultura. 80 minutos.
Sem comentários:
Enviar um comentário