No início, uma desconcertante minúcia descritiva da viagem que leva Shimamura em direcção a uma estância de inverno, no norte do Japão. Ele irá reencontrar-se com Komako que, antes de se tornar profissionalmente geisha, ele ali conhecera numa visita anterior. Viagens que se tornaram recorrentes nos anos seguintes. Mas a voz feminina que ali no comboio lhe desperta a atenção e o instinto é a da jovem Yoko que acompanha um moribundo de volta a casa.
Assim, de modo anacrónico, a prolepse antecipa-nos a dúvida sistemática
de Shimamura, homem bem resolvido, casado, bem assente na vida citadina de Tóquio. E a
esta dúvida sistemática ajusta-se a sistemática e profissional irreverência de
Komako que tenta a todo custo correr atendendo a todos os pedidos dos esquiadores
que o inverno nevado traz àquelas florestas de áceres.
Aliás, para entender o ritmo deste romance devemos atender à alternância vegetal e social que as estações do ano transportam àquelas paragens. O frio da neve e os temperados passeios primaveris, longamente descritos, tornam-se parte na narrativa, senão a sua essência natural, explicando o modo como varia o humor das personagens. Como certos poemas japoneses de três versos simples.
Deixemo-nos cativar por essa paixão na natureza mas não
descansemos. De modo modernista, Yasunari Kawabata leva-nos de um modo
ultra-poético até ao final sem uma explicação cabal, sem uma conclusão
tranquila, juntando a neve derretida ao incêndio durante a projecção de um
filme num celeiro para criação de bichos-da-seda.
Se dermos o tempo necessário à leitura deste livro é impossível não fazermos parar o nosso próprio tempo.
Quase uma tragédia que me
fez lembrar o extraordinário filme de Hiroshi Shimizu «O Som do Nevoeiro» (1956).
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