Na
escrita de Raymond Chandler, o que soa como complemento é a própria intriga
policial. Essa linha rápida que nos leva sem descanso atrás da correria de
Philip Marlowe. Claro que sabemos, mesmo antes de começar a leitura, que ele
sobreviverá, que descobrirá o mistério e continuará a fazer tilintar o gelo no
copo pela noite, sozinho, fumando no pequeno apartamento em Los Angeles.
O
fundamento do livro é o requinte da escrita de Raymond Chandler, que se
sobrepõe à razão de colocar o herói em Pasadena, tocando à porta de uma grande mansão
antiquada, rodeada de acácias de flores brancas e com uma escultura de um
pretinho vestido com calças de montar, oferecendo uma argola a quem desejasse
prender as rédeas do cavalo imaginário. Na sua pose solitária, Marlowe sente-se
irmanado da figurinha, conversando com ela sempre que por lá passa.
Essa
descrição é mais sintomática do que saber por que a velha austera,
diabolicamente controladora e infatigável bebedora de vinho do Porto, Mrs.
Elizabeth Murdock, terá chamado um detective privado, discreto e que não
deixasse cair cinza do charuto no chão.
Nem
interessa lá muito saber, apesar de ser o centro da história, por que é que o desaparecimento
de uma antiga e valiosa moeda de ouro leva a tais acontecimentos, cheios de
peripécias e coincidências.
O
que importa são as personagens girando nos cenários e tudo o que o autor coloca
por trás delas. (Desconheço se o escritor terá tido alguma relação directa com
a arte dramática.)
«Uma
loura de braços e pernas compridas e de tipo langoroso estava deitada
completamente à vontade numa das cadeiras com os pés levantados, apoiados num
descanso almofadado e um copo alto e embaciado junto do cotovelo, perto de um
balde de gelo em prata e de uma garrafa de scotch.
Olhou para nós preguiçosamente enquanto atravessávamos a relva. A dez metros de
distância parecia ter montes de classe. A três metros parecia uma coisa feita
para ser vista a dez metros.»
A
ironia e o atrevimento é a pedra de toque desta escrita que ainda resolve
envolver de cumplicidade, quase de ternura, as outras tantas personagens.
Ler
Raymond Chandler ilumina e diverte muito as tardes de Verão, ensina a ler e
porque não, deixa muitas pistas para quem gosta de escrever.
Nunca digam mal da literatura policial, principalmente a de Raymond Chandler.
Uma nota de especial para a boa tradução de Maria
Dulce Teles de Menezes e Salvato Teles de Menezes.
jef,
julho 2024
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