sexta-feira, 26 de julho de 2024

Sobre o livro «De Nome, Esperança» de Margarida Fonseca Santos, Oficina do Livro 2024.



 







Esperança é o nome de uma mulher que vai sendo encontrada e acarinhada por quem com ela se cruza. Uma mulher acarinhada também pelos pais, humildes e trabalhadores, mas que, jovens, a deixaram órfã. Esperança é inteligente, sensível, com enorme capacidade de trabalho e uma memória capaz de decorar de fio a pavio os seis livros que se encontravam lá por casa e que ela narrava à mãe. A mãe depois chamava-lhe louca. Mas com ternura.

Porém, agora Esperança vive num mundo paralelo, de certo modo estruturado numa escrita compulsiva guardada com letra certeira num anuário anacrónico ou fantasioso, talvez mesmo fabuloso, onde os objectos ganham mais vida que os próprios viventes humanos. Esperança ainda é, de certo modo, criança. Uma criança que já veste a pele de adulta mas que não se lhe ajusta ao corpo.

Esperança pode mas não pode viver sozinha. Quem o diz são essas vozes cruzadas, geográfica e temporalmente, que a acolhem e amam mas que, desesperadamente, se vêem impotentes face ao amor que desejam dar mas que, igualmente, não se ajusta ao corpo receptor.

E se a leitura é um modo de comparação lúdica e caótica não posso deixar de me lembrar das figuras sintomáticas dessa sociedade ausente (ou abstracta) para aqueles que não seguem algumas das suas regras – a Milene de «O Vento Assobiando nas Gruas» de Lídia Jorge (Dom Quixote, 2002), a «Myra» de Maria Velho da Costa (Assírio & Alvim, 2008) ou a Eugénia de «Cair para Dentro» de Valério Romão (Abysmo, 2018).

A escrita de Margarida Fonseca Santos é firme, assume o diagnóstico fracturado para se adaptar ao desembaraçar da personalidade de cada um daqueles que contacta com Esperança de modo a que nos apercebamos da doença de Esperança com rigor emocional mas sem nunca cair em maneirismos líricos ou piedosos. Uma escrita rigorosa, dura, sincopada, sem adjectivos, ao jeito do que também acontece na de Filomena Marona Beja.

A literatura é mesmo feita para pessoas como Esperança, pois como diz Tolstoi nessa grande abertura de «Anna Karénina»:

«Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.»


jef, julho 2024

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