domingo, 14 de agosto de 2016

Flor do Tejo









Flor do Tejo

Ser rio ou as suas margens.
Ser rio e as suas margens.
Que rio não é sem o que o limita.
Elas nada seriam se o curso lhes desistisse.

Em que ficamos?
Frases feitas.

Dizem que a cheia lhes traz desgraçadas ou graças
fertilidades, felicidades, inundações,
afogamentos,
amores também.
Nilo, Mondego, Tejo,
qual for…

Escrituras sagradas, o êxodo,
 vêem uma ou duas garças, curvo pescoço,
e os crocodilos, olhar sobrevoando a superfície.
Talvez um cesto suspenso nos juncos.
Escrito nos papiros. Hieróglifo inconstante,
aquático,
por decifrar.
Prece pela catástrofe iminente,
benfazeja.
Rei incógnito libertado das águas por mão da princesa contrária.
Sacrificado esse amor pela salvação do povo e do seu reino.

O vale dos reis.
O menino vogando nas águas.
Quem o canta, quem as cantará.

Nílicas, tágides, rainhas do Mondego.
Ninfas discretas, condoídas, por identificar,
que as últimas sem nome vão.
Quem as exige só de fado lembra
de saudade e do penedo e do encanto na despedida.
Escadarias nocturnas, desertas.
Ah, os campos de Santa Clara!
Pedro, o cru, e Inês, a bela eterna
por rainha, cadáver desenterrado,
sobrenadando a terra, como Ofélia! Depósito em suspensão, solução, limo,
líquido, o pó
e o amor.
Dele regressou, a ele voltará.

E os esteiros, as marachas, os campos alagados.
Algas, peixes, a doença lacustre
como sáurio dolente, o arroz,
sustento de Primavera.
A ela o rio volverá a cada novo ano,
dela o homem escapa a cada ano volvido.

Pobre Camões… Constância, Coimbra, Lisboa.
A lampreia não consegue passar o açude,
o sável já não desova, pobre rio.
Salvaterra, Vilafranca. Alentejo
e o Tejo ainda em riba.

Em que ficamos?
Versos comuns,
Esquecidos, por ditos,
musas adormecidas,
por distraídas,
quase desleixadas.
Tão cantadas como descartadas.

O poeta em exaustão!

Em que ficamos?
Tolas as frases.

Cantos mil e o céu a desaguar
Sobre a garupa do touro
que rei é
do rio que na lezíria fez cama
e do vale se despediu,
escravo do pasto, do silêncio falso, da farpa do futuro.

A terra prometida é aqui!
Abram-se as águas!

O animal, boa mensagem dos deuses e das rainhas,
no calor imolado
na areia o sangue purificado,
fértil e vermelho
como o mar.

Olha o tartaranhão a vigiar as crias no paul.
Salve sejam!
Salvem-se também a alma dos viventes
que a dos mortos já se evolou,
como Cristo, como o escravo, como o touro derramado.
Como o verdilhão que canta,
mesmo por trás das grades,
pela boa alma de quem o aprisionou.

E o amor, quase o amor,
de quem fica prisioneiro?
Que na palma da mão detém o pendor,
no corpo, o silêncio,
nos lábios, a margem do sorriso,
o curso dessa palavra
escondida no junco que guarda o ninho de patos
à flor do Tejo.

Em que ficamos?
Frases cativas.
Lugares comuns.

Somente o amor.

jef, 15 de agosto 2016

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