Em tempo, Jorge Mourinha (Público / Ipsilon) escrevia sobre
«esculpir a luz» quando referia o prémio recebido recentemente em Lisboa por
Vittorio Storaro, o construtor luminoso de filmes como «1900» (Bernardo
Bertolucci, 1976), «Apocalypse Now» (Francis Ford Coppola, 1979) ou «Grande
Roda» (Woody Allen, 2017).
Em «Corpo e Alma», a estratégia da luz está entregue a Máté
Herbai. É muito interessante como a luz que recai sobre as instalações do
matadouro, sobre as expressões, o guarda-roupa e as casas de Mária (Alexandra
Borbély) e Endre (Géza Morcsányi) quase basta para tornar o filme maior.
A pele intocada de Mária a dizer-nos o que ela não viveu. Os
traços vincados sobre o rosto de Endre acusando-o de já não querer viver mais.
Aqui os actores são mestres em fazer expressar subliminarmente as personagens no
interior do rito arreigado.
As aproximações aos objectos. Os pormenores viciosos que
recaem sobre o tampo das mesas, os tabuleiros das refeições, o rigor da memória.
Muito interessante mesmo.
Esse truque de fazer uma parábola com personagens simbólicas
e de os colocar no meio de uma fábula entre bovídeos e cervídeos. Esse virar de
tragédia em comédia romântica, também.
Contudo, lá no fundo, existe qualquer coisa de esquadria simétrica e
psicanalítica, de arquitectura rígida, que deixa o filme a um passo de nos
emocionar, a um passo do teatro grande. É pena, pois tudo o resto preenche-nos
com sinceridade o olhar.
jef, dezembro 2017