A
tragédia do ridículo.
Poderá
«Ma Loute» chegar, digamos, não aos calcanhares mas à cintura de «O Pequeno
Quinquin», o filme de Bruno Dumont de 2014. No entanto, o realizador continua a
jogar como muito poucos num dos campos cinematográficos mais difíceis: o
ridículo como modo analítico do género humano. Voltemos a Jacques Tati, Charlie
Chaplin, Fernandel, Buster Keaton, Totò, Monty Python, Vasco Santana… Não
jogaram todos eles nesse mesmo campo? Foram poucos, mas venceram.
E
no drama «A Morte em Veneza» de Luchino Visconti, não será o ridículo que
provoca o desfecho trágico e deixa o compositor Gustav von Aschenbach mártir de
uma solidão fatal? Quantas vezes não transporta a solidão os genes do ridículo.
E o ridículo dói.
Ou
faz rir.
Lembrei-me
do filme de Visconti de 1971, por comparação com a sua banda sonora. Dumont vai
buscar um adagio como contraponto trágico ao burlesco: «Barberie – prelúdio ao
2º Acto» (1890) do compositor belga Guillaume Lekeu, compositor de tragédias
musicais e morto aos 24 anos... Sem dúvida que a partitura quando surge obriga a
uma brusca mudança emocional por parte do espectador.
Assim
como as perspectivas cénicas e paisagistas sobre a praia, o mar e alguma
“suspensão” aérea. Ou a beleza andrógina da actriz Raph, que surge ora rapaz
ora rapariga, provocando reacções inusitadas e desgraçando a compostura tanto
do povo, como da aristocracia. Os canibais Brufort contra os incestuosos Van
Peteghem. Ridículos uns, ridículos os outros. Mas verdadeiros!
Serão
estas apenas coincidências com o grande filme de Visconti? Não desejará Bruno
Dumont tocar a bainha operática e política da mestria de Visconti?
Acho
que sim e que o faz com seriedade, expondo a beleza ao disparate, opondo as
figuras das duas cunhadas, Juliette Binoche e Valeria Bruni Tedeschi, dos dois
cunhados, Fabrice Luchini e Jean-Luc Vincent, dos dois polícias, do pai Brufort
e filho Brufort… Uma composição entre o happy e o unhappy end enquadrada numa
extraordinária banda sonora. Muita atenção ao som dos passos, dos vestidos, dos
corpos, à intraduzível pronúncia do povo, à afectada pronúncia dos ricos. Aqui tudo
chia, talvez ridiculamente, talvez tragicamente. Mas tudo acaba bem, com uma
procissão à Nossa Senhora do Mar e um brinde com champanhe ao chefe da polícia
que, quando enervado, se entufa ligeiramente…
Mas
sim, aqui tudo acaba bem…
jef,
abril 2017
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