Um
Estudo em Vermelho.
Diz
Wim Wenders sobre este filme: «Todos os filmes são
políticos. Antes de mais, aqueles que de modo algum o querem ser: os “filmes de
entretenimento”. São os filmes mais políticos que existem porque exorcizam das
pessoas a ideia de transformação. Tudo está bem como está, dizem, em cada
plano. São um anúncio único das condições vigentes. Julgo que “O Amigo
Americano” não se deixou apanhar por isso. É, na verdade, um “filme de
entretenimento” e é empolgante. Porém, não confirma o vigente. Pelo contrário:
tudo é transformável, tudo está ameaçado. O filme não tem conteúdos políticos
explícitos. Mas não é estupidificante. Não faz das suas figuras títeres e, por
isso, os espectadores também não. Infelizmente, muitos filmes “políticos”
fazem-no.»
Wim
Wenders tem razão. É a explícita consciência por parte do realizador, essa
vontade de transformar pela estética o mundo «vigente» do cinema, o americano e
o outro, que faz de «O Amigo Americano» um objecto maravilhosamente académico.
Não
só a capacidade de torcer a persona «Ripley» de Patricia Highsmith ao ponto de
a colocar entre o modo americano de Dennis Hopper e o alemão de Bruno Ganz. Não
é pelas ostensivas e constantes referências a John Ford, a Yasujiro Ozu, a
Alfred Hitchcock. Não será a devoção cinéfica tutelar que demonstra ao
confrontar Nicholas Ray, Samuel Fuller ou Jean Eustache, em situações que tanto
poderiam fazer parte do «filme noir», do «road movie», dos filmes de cowboys e
de comboios. A banda sonora a lembrar permanentemente o suspense na história do
cinema. Os constantes truques e reviravoltas que forçam a personagem Jonathan a entrar ao arrepio da lógica realista mas enquadrada na narrativa clássica de
troca de personalidades e vontades até provocar o climax-anti-climax de uma solução ex-machina.
Ou
talvez seja simplesmente o apelo declarado pela estética de um carro que
percorre uma praia barreira barragem; ou um cowboy que anda em equilíbrio
instável no parapeito do viaduto canyon; ou uma criança protegida pela família
a reconstruir-se; ou uma doença que devolve e retira a identidade; ou um pintor
morto que ainda pinta sem identidade; ou a identidade de uma moldura vazia. Uma
pintura sobre o traço de azul adulterado. Ou uma mancha de vermelho a unir o
filme do princípio ao fim...
Um
Estudo em Vermelho, diria Sir Conan Doyle. Um estudo que nos envolve, nos devolve,
nos declara, o amor puro ao cinema universal.
jef,
abril 2017
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