Da consciência e da sua irrelevância.
O caos e a tranquilidade são dois conceitos teóricos, mais palavrosos,
menos abstractos, que definem sem definir estados que os humanos têm muita dificuldade
em integrar. Animais, plantas, minerais, e o que lhes está pelo meio,
praticam-nos plenamente sem necessidade de os distribuir por complexos
dicionários.
O caos determina esse estado impossível de explicar em que as
partículas e os seus componentes electrónicos se encontram em permanência, de
pernas para o ar, cabeças ao vento, ora aqui ora ali, para desespero de
matemáticos e astrofísicos, nunca sabendo estes quando e onde os irão agarrar.
Dessa incerteza caótica são feitos tanto a pedra dura, como a água mole, como o
substrato aéreo.
Por oposição, a tranquilidade, ainda mais teórica e
abstracta, apenas existe quando, por momentos, é esquecido o caos das partículas
e o da mente dos astrofísicos, tais como o das respectivas famílias, o possível
recrudescer da gastrite, essa dor aguda que poderá conter mal maior, a
disseminação do terrorismo pelos cantos improváveis do planeta, o encerramento da
próxima estação dos correios ou a flutuação do preço da fruta no bairro em
tempos de crise permanente. Ou seja, a tranquilidade existe apenas por
esquecimento do que a nega. O contraditório e a respectiva sombra da
consciência.
Olhando pelo lado de fora, a cegonha que plana no ar
treinando as rémiges para que contornem as advecções atmosféricas, sem causas
nem caos, quando não busca por alimento, segurança ou descendência, cumpre, efectivamente
e inconscientemente, o prazer da tranquilidade. A cegonha apenas é tranquila
dentro das órbitas estouvadas dos electrões que circulam pelos átomos das suas
rémiges que, em sincronia, a levam à satisfação dessa, convenhamos, ausência de
caos.
Ou seja, a consciência feita de caos e tranquilidade em
simultâneo, mas também da sua oposição – caso se determine que uma e a outra
palavra são antónimos, um facto pouco provável! –, torna tudo metafisicamente muito
mais complicado para a gastrite do astrofísico, Doutor Teles, que ainda não
descobriu a pólvora para o seu electrão, ou para o Senhor Serafim do
minimercado que vê a fruta paquistanesa invadir o bairro, bem mais barata.
Afinal, não será de todo lógico que os sentidos de Caos e Tranquilidade
sejam efectivamente opostos um do outro. A definição de tais palavras não vive
em contradição. Apenas a sua consciência. Não é o Senhor Serafim ou o Doutor Teles
quem o afirma.
É a cegonha que o confirma.
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