Interessante o uso do texto «O Iceberg» (em «O Aprendiz
de Feiticeiro») para definir esse estrato estético que une e resume a obra de
Carlos de Oliveira.
Fala-se aí de tudo o que ficou por viver, por divulgar, por
comunicar, a poeira imensa e submersa, um passado ofendido pelo fascismo,
extinto, irrecuperável. E de um lado visível e presente do gelo que, por
somítico e frágil, jamais fará jus à ilusão da criatividade por cumprir.
A curta obra de Carlos de Oliveira torna-se paradoxo face à
imagem do oceano gelado. Porém, uma obra que traz o lastro incessante do apuro da linguagem, quantas vezes angustiado, que sempre o autor foi refazendo
e corrigindo, de edição para edição, todas seleccionadas entre a beleza da
forma para que salientasse a ideia poética. Edições de colecção, digamos.
Essa antítese de estilos está formalmente editada no
pequeníssimo Micro-Dicionário de Carlos de Oliveira. Na entrada para «caruncho»
lê-se:
«É o ruído de fundo que vem da madeira dos móveis no quarto,
assinalando o triunfo da devastação, por vezes de um assustador próximo do
gótico.»
Uma discreta micro-ideia que dá o mote à exploração de uma
obra maior.
A ideia poética em Carlos de Oliveira, nessa vertente de
constante luta pelo apuro da obra e pela necessária liberdade criativa é,
obviamente, política, aproximando-se da índole de José Cardoso Pires. Carlos de
Oliveira (e José Cardoso Pires) foi sempre esculpindo o imenso iceberg da
perfeição e da beleza.
Essa ausência de tempo afasta Carlos de Oliveira do
Neo-realismo e o devolve ao sentido de um espaço universal.
jef, setembro 2017
«Porta
A porta que se fecha
inesperadamente na distância
e assusta o romancista
que descreve o seu quarto de criança
(é difícil dizer
se os velhos arquitectos
que punham tanto amor
na construção do quarto
teriam ponderado com rigor
a escala deste som
e o espaço coagulado
ao fundo do corredor)
a porta que se fecha no passado
sobressaltando a escrita e o escritor.»
in «Sobre o Lado Esquerdo / Trabalho Poético» Assírio & Alvim, 1967 / 2003.
«Porta
A porta que se fecha
inesperadamente na distância
e assusta o romancista
que descreve o seu quarto de criança
(é difícil dizer
se os velhos arquitectos
que punham tanto amor
na construção do quarto
teriam ponderado com rigor
a escala deste som
e o espaço coagulado
ao fundo do corredor)
a porta que se fecha no passado
sobressaltando a escrita e o escritor.»
in «Sobre o Lado Esquerdo / Trabalho Poético» Assírio & Alvim, 1967 / 2003.
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