sexta-feira, 3 de maio de 2019

Prepare-se para a terceira vida dos Rollana Beat! Hoje no cinema São Jorge, pelas 19h15. IndieLisboa!





















Digamos que Rollana Beat (1998–2002 / 2014) deseja apartar-se dos seus ouvintes mas não consegue. Rollana Beat regressa com mais imagens, também com mais som, nesta série de faixas (gostaria de dizer canções) oferecidas ao olhar plástico de treze artistas para que lhe dêem a projecção luminosa que nós, ouvintes-leitores, ambicionávamos. Porque a música dos Rollana Beat (André Ruivo – guitarra e voz; André Sentieiro – bateria; Fernando Ascensão – contrabaixo; Manuel Correia da Silva – gira-discos e sampler) sempre teve esse condão, quase estratégia, quase missão estética e paisagística. Música que reúne visões, vértices, assimptotas, roubos e repetições. Cenas e pausas. São 13 filmes tacitamente musicais (talvez devesse dizer videos) vindos sobretudo de dois grandes dossiers públicos (alguém chamar-lhes-ia álbuns), unindo duas vidas: «Big Sneeze» (MetroDiscos, 2000) e «Murdering the Classics» (Bandcamp, 2014).

Prepare-se agora para a terceira vida dos Rollana Beat!

1. INÊS OLIVEIRA «Jack Plays Trombone at the Underground Station» (3’19)
A cineasta Inês Oliveira vai buscar a canção à maquete dos Rollana Beat de 1998 e transporta-a, subvertendo-a, para o abrigo quente mas populoso do metro de Londres durante o Blitz de 1940-1941. Enquanto as sucessivas imagens a preto e branco relatam a possibilidade de concórdia por baixo da terra e dos bombardeamentos nazis, o riso nervoso da voz que persegue Jack devolve-nos a nevrótica e instável realidade.

2. GONÇALO DUARTE «He Ain’t Got Rhythm!» (4’38)
Ainda a maquete das músicas de 1998. O ilustrador Gonçalo Duarte liberta a banda desenhada sobre a animação do cinema, inverte as cores e transforma a tela numa ardósia onde as linhas desenhadas sugerem o giz agreste da infância. As vozes múltiplas, um caixão e um telefonema que se evade pela janela. Sobre a mancha que desvanece e transforma a cobra em pássaro, a flor em ruído urbano. O negro como princípio vital do ritmo.

3. DEDO MAU «Garbage Grows for our Distractions» (4’21)
A vida não anda fácil para quem chega do outerspace cheio de boas intenções e com um carrinho azul na mão. O Planeta está cheio de big brothers de olhares cruzados e vermelhos. Um spectrum game de onde é difícil escapar. O melhor é sintonizar o ecrã e regressar ao firmamento. Dedo Mau prefere as cores primárias para se evadir no interior
do cinema de animação, programático mas delirante, dentro da faixa extraída de Big Sneeze (2000).

4. VASCO REIS RUIVO «Ella» (1’46)
O realizador e músico Vasco Reis Ruivo vai ao oriente buscar olhares e sorrisos (ou quase sorrisos) e fumo e cigarros. Politicamente incorrecto, contudo pacificador. Filma
a cores dentro do scratch, sobre o scratch, e justapõe as imagens como slides em movimento alongado, ilustrando a faixa intróito do álbum «Big Sneeze» (2000). Uma pequena história com final feliz e cão em fundo.

5. XAVIER ALMEIDA «Revolutionary Dogs» (3’52)
A abstracção urbana como estímulo para a compreensão do movimento em falso. O artista plástico Xavier Almeida filma a cores, quase uma tela, um véu, sépia antigo, sobre o jazz de uma cidade que trabalha e se diverte, como os Rollana Beat já o haviam feito em 2000. Existe um ponto que não é final, uma mancha que atenua, perturba ou clarifica o nosso ente social. The smoke city with a dot.

6. RENATA SANCHO «Big Sneeze» (2’34)
Não podemos desmobilizar, desviando o olhar da sociedade de informação. A televisão é tão importante quanto o microscópico. A beleza de um vírus ou de uma bactéria é, através deles, visível e transmitida. Atenção ao espirro e à lindeza televisiva! Por esse motivo, Renata Sancho reparte o ecrã em três módulos, sublinhando a consciência da informação-infecção. Por fundo, uma das canções-mote dos Rollana Beat (2000).

7. AYA KORETZKY «Murdering Raymond Scott» (3’40)
Com a ajuda dos Rollana Beat, a realizadora Aya Koretzky assassina um dos mestres da repetição electromagnética aplicada ao som musical. Uma pasta lenta e morna, inexorável e viscosa, invade e vai tomando conta de tudo, do pouco que resta do compositor-inventor. A partir do canto superior esquerdo. Um mergulho vermelho sobre o epitáfio fotográfico. O sorriso afundado e um ponto final na canção retirada de Big Sneeze (2000).

8. OSTRALIANA «Expire Date» (3’25)
Ostraliana usa a vibração rítmica da bateria dos 3’25 minutos de «Expire Date» (Big Sneeze, 2000) para pôr a correr a transfiguração na dança profissional, desenhando a fotografia (rotoscopia). Parece coisa bíblica, a banda desenhada animada em papel de seda colorido: alguém, frente ao espelho, faz o que ele não diz do seu corpo mas também o que o olhar dos outros ordena. Ostraliana impõe às pausas musicais o figurativo da personagem em pose ostensivamente reflexiva.

9. EDGAR PÊRA «Just What the Doctor Ordered» (5’30)
Para o cineasta Edgar Pêra, a sua viagem ao oriente chinês, filmada a cores Super 8, «My Trip to China», reflectiu-se nos instantes de escadarias em movimento, de ruas que se atravessam a passo lento e bicicletas perpendiculares às passagens de peões. Também no circular parado da multidão nas cidades proibidas, dos anúncios luminosos, do sol vermelho que se deita. Até o som de «Just What the Doctor Ordered» (Murdering the Classics, 2014) é distendido, distorcido, quase parodiado, pela voz sincopada da língua chinesa.

10. BRUNO BORGES «Garland» (3’46)
A abstracção gárrula do filme que Bruno Borges executa sobre a trama musical sincopada, quase histérica, quase bruta, de «Garland» (Murdering the Classics, 2014), é provocadora de uma sintonia dicotómica e sincrética que ocupa todo o espaço criativo da visão do espectador. Digamos, toda a violência que um adulto pensa estar envolvida na ideia infantil do super-herói. Ou seja, o adulto infantil, a preto e branco. O riso e o medo.

11. LUÍS LÁZARO «Apparently Singing the Wrong Words» (6’10)
Luis Lázaro verbaliza de modo plástico, histriónico, o que a mais longa faixa («Murdering the Classics», 2014) desta série de filmes tende a velar. Aparentemente são palavras erradas e cantadas num sistema de sobreposição de caras e personagens escondidas que, a todo o custo, tentam tornar abstracto aquilo que deseja o figurativo. Cor de fogo lançado, quase metalúrgico. Existem olhos que não espreitam, apenas pretendem que sejam vistos. O pintor surge então, em luz negra-branca-azul, com pinceladas extremas transfigurando os comboios e os sinos secretos em animais nocturnos: solitários e urgentes.

12. ISABEL ABOIM INGLEZ «Western Spaghetti» (3’32)
A animação colorida de Isabel Aboim Inglez tem uma origem, quadro a quadro, ou frame a frame, se preferirem, na complexa montagem do cinema das cenas breves. As tardes infantis (antes da electrónica e dos telemóveis) eram assim. Uma colina de revistas “Condor”, um batalhão de cowboys, do lado de lá, outro, de índios ávidos de setas e de sangue. Um gira-discos portátil a tocar Ennio Morricone. Ou melhor «Western Spaghetti» (Murdering the Classics, 2014).

13. LEONOR NOIVO «Dopping» (3’57)
Nem Olivia Newton John, nem Jane Fonda. A cineasta Leonor Noivo justapõe a um certo blue mood do tema «Dopping» (2002) os nove exercícios (e um tanto) para classes de exercício físico a serem visionados no pequeno ecrã. Uma aeróbica que tem tanto de soviética quanto de libidinosa. Curtas cenas vindas das secções televisivas com o físico dos modelos a olhar-nos nos olhos enquanto a mira técnica se sintoniza em pose anacronicamente lenta e colorida.

Lisboa, Março de 2019
João Eduardo Ferreira

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