segunda-feira, 20 de maio de 2019

Sobre a exposição «Once in a Lifetime [Repeat]» de João Onofre. Culturgest, Lisboa. Maio de 2019


















Em primeiro lugar, esclareço que «Once in a Lifetime [Repeat]» de João Onofre já não se encontra em exibição. Uma vez na vida e já acabou.

Em segundo lugar, esta exposição é uma espécie de labirinto (para quem gosta muito de cinema) que deixa o espectador vogando num espaço negro de corredores e esquinas onde a eficácia cinematográfica, a concentração sonora, o rigor da arquitectura dos planos lentos, mas determinantes, vai fazendo com que o olhar se perca no silêncio do escuro e se concentre num certo espasmo cardíaco. Temos de ficar à espera que a razão vá sonhando e o pesadelo da morte retratada nos rostos de óculos escuros dos coveiros dos cemitérios de Lisboa se cruze com a taquicardia dos dois estetoscópios alterados e ligados a dois corações, em simultâneo. Usemo-los ali mesmo. Estamos vivos!

As crianças cantam, como é óbvio, «I See a Darkness». «La Nuit n'en Finit Plus», outra entoa dentro de uma longa cova no centro de uma noite americana, verdejante. «Like A Virgin» é trauteada, outras palavras. Aguarda-se que o vedor busque em definitivo a água para que a instalação se complete. Sugere-se a respiração vital de Carlos Paredes sobre o toque da guitarra e dois auto-falantes. Ponderamos se estamos mesmo a olhar as mãos que se tocam de Monica Vitti e Alain Delon («O Eclipse», 1962).

Existe um coro pop-gospel que aniquila os cantores-atletas que tentam chegar à voz, numa visível comédia trágica de um mundo em suspenso. Como o microfone. «I Want to Know What Love Is».

Tudo na exposição parece estar a desvanecer-se, a perder-se nesse riso, reconhecendo o efémero, como quando o toner falha na pior altura. «Five Words in a Line Series».

Existe em tal labirinto um exercício que admite o negro da morte e o azul do sonho atmosférico e romântico de alguma serra da Arrábida, Norberto Lobo interpreta «Eu Amo», guitarra eléctrica, chapéu-de-sol vermelho e vento. Contudo, aqui, João Onofre afasta radicalmente a dúvida que as sombras poderiam projectar. Sem sombra de sombra, poderíamos até ter medo do além ou do quarto escuro mas a vida continua lá fora, como cá dentro, sobrevoando o céu que a tenta orientar-se, risível, com um imponderado nível de bolha.

Once in a Lifetime [Not Repeat].

jef, maio 2019


Sem comentários:

Enviar um comentário