Em primeiro lugar, esclareço que «Once in a Lifetime [Repeat]»
de João Onofre já não se encontra em exibição. Uma vez na vida e já acabou.
Em segundo lugar, esta exposição é uma espécie de labirinto (para quem gosta muito de cinema) que deixa o espectador vogando num espaço negro de corredores e esquinas onde a
eficácia cinematográfica, a concentração sonora, o rigor da arquitectura dos
planos lentos, mas determinantes, vai fazendo com que o olhar se perca no
silêncio do escuro e se concentre num certo espasmo cardíaco. Temos de ficar à
espera que a razão vá sonhando e o pesadelo da morte retratada nos rostos de
óculos escuros dos coveiros dos cemitérios de Lisboa se cruze com a taquicardia
dos dois estetoscópios alterados e ligados a dois corações, em simultâneo.
Usemo-los ali mesmo. Estamos vivos!
As crianças cantam, como é óbvio, «I See a Darkness». «La Nuit n'en Finit Plus», outra
entoa dentro de uma longa cova no centro de uma noite americana, verdejante.
«Like A Virgin» é trauteada, outras palavras. Aguarda-se que o vedor busque em definitivo a água
para que a instalação se complete. Sugere-se a respiração vital de Carlos
Paredes sobre o toque da guitarra e dois auto-falantes. Ponderamos se estamos mesmo a olhar as mãos
que se tocam de Monica Vitti e
Alain Delon («O Eclipse», 1962).
Existe um coro pop-gospel que aniquila os
cantores-atletas que tentam chegar à voz, numa visível comédia trágica de um
mundo em suspenso. Como o microfone. «I Want to Know What Love Is».
Tudo na exposição parece estar a
desvanecer-se, a perder-se nesse riso, reconhecendo o efémero, como quando o toner falha na pior altura. «Five Words in a
Line Series».
Existe em tal labirinto um exercício que
admite o negro da morte e o azul do sonho atmosférico e romântico de alguma
serra da Arrábida, Norberto Lobo interpreta «Eu Amo», guitarra eléctrica, chapéu-de-sol vermelho e vento. Contudo, aqui, João Onofre afasta radicalmente a dúvida que
as sombras poderiam projectar. Sem sombra de sombra, poderíamos até ter medo do
além ou do quarto escuro mas a vida continua lá fora, como cá dentro,
sobrevoando o céu que a tenta orientar-se, risível, com um imponderado nível de
bolha.
Once in a Lifetime [Not Repeat].
jef, maio 2019
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