Em última análise, as guerras mundiais, no caso a I, guerras igualmente
civis e europeias, estruturam (ou têm de estruturar) a mentalidade, a
moralidade, a arte contemporâneas. O horror do genocídio da guerra de 1939-1945
não pode fazer esquecer o absoluto horror das trincheiras, dos gaseados,…
Sam Mendes vai buscar a memória dos episódios narrados pelo
avô de origem portuguesa que serviu o exército inglês e conta-nos a história de
dois jovens soldados que devem ultrapassar a linha da frente para ir avisar um
batalhão aliado que está prestes a cair numa emboscada… Os dois amigos são William
Schofield (George MacKay) e Tom Blake (Dean-Charles Chapman). Este último tem o
irmão a combater na frente.
O problema de Sam Mendes é, que perante o verdadeiro terror
das situações por que passaram todos aqueles soldados, não consegue conter-se
em artefactos cenográficos e narrativos, fazendo coincidir em apenas duas horas
todas as possíveis e bárbaras situações. E se, como era de esperar, vou
acompanhando de alma e coração os passos enlameados e ensanguentados dos dois
companheiros, a coisa muda de figura quando o avião inimigo se despenha, exactamente,
no metro quadrado do território francês onde eles se encontram. Nessa altura,
julgo já ter visto cadáveres de homens e cavalos a mais, dezenas de ratazanas
encharcadas a correr por túneis e trincheiras. O meu coração afasta-se, a minha
alma começa a sorrir (com todo o devido respeito pela memória daqueles heróis)
aguardando as novas tropelias bélicas…
Nem as difíceis sequências filmadas numa cena única (sempre
recordo a hitchcockiana “ A Corda”, 1948), nem a gongórica banda sonora de Thomas
Newman, nem a fotografia “pastel” de Roger Deakins, nem o real e físico “expressionismo”
dos actores principais me fazem voltar a acreditar na ilusão cinematográfica. De um modo um pouco irreflectido fico a pensar que só os russos conseguem "filmar" a guerra...
Contudo, posso “não ter entrado” no filme mas de uma coisa tenho a
certeza… As guerras mundiais (ou civis) não poderão jamais sair da memória
artística da humanidade.
jef, janeiro 2020
«1917» de Sam Mendes. Com George MacKay, Dean-Charles
Chapman, Mark Strong, Andrew Scott, Richard Madden, Claire Duburc, Colin Firth,
Benedict Cumberbatch. Fotografia: Roger Deakins. Música: Thomas Newman.
Grã-Bretanha / EUA, 2019, Cores, 118 min.
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