sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Sobre o filme «1917» de Sam Mendes, 2019
















Em última análise, as guerras mundiais, no caso a I, guerras igualmente civis e europeias, estruturam (ou têm de estruturar) a mentalidade, a moralidade, a arte contemporâneas. O horror do genocídio da guerra de 1939-1945 não pode fazer esquecer o absoluto horror das trincheiras, dos gaseados,…

Sam Mendes vai buscar a memória dos episódios narrados pelo avô de origem portuguesa que serviu o exército inglês e conta-nos a história de dois jovens soldados que devem ultrapassar a linha da frente para ir avisar um batalhão aliado que está prestes a cair numa emboscada… Os dois amigos são William Schofield (George MacKay) e Tom Blake (Dean-Charles Chapman). Este último tem o irmão a combater na frente.

O problema de Sam Mendes é, que perante o verdadeiro terror das situações por que passaram todos aqueles soldados, não consegue conter-se em artefactos cenográficos e narrativos, fazendo coincidir em apenas duas horas todas as possíveis e bárbaras situações. E se, como era de esperar, vou acompanhando de alma e coração os passos enlameados e ensanguentados dos dois companheiros, a coisa muda de figura quando o avião inimigo se despenha, exactamente, no metro quadrado do território francês onde eles se encontram. Nessa altura, julgo já ter visto cadáveres de homens e cavalos a mais, dezenas de ratazanas encharcadas a correr por túneis e trincheiras. O meu coração afasta-se, a minha alma começa a sorrir (com todo o devido respeito pela memória daqueles heróis) aguardando as novas tropelias bélicas…

Nem as difíceis sequências filmadas numa cena única (sempre recordo a hitchcockiana “ A Corda”, 1948), nem a gongórica banda sonora de Thomas Newman, nem a fotografia “pastel” de Roger Deakins, nem o real e físico “expressionismo” dos actores principais me fazem voltar a acreditar na ilusão cinematográfica. De um modo um pouco irreflectido fico a pensar que só os russos conseguem "filmar" a guerra...

Contudo, posso “não ter entrado” no filme mas de uma coisa tenho a certeza… As guerras mundiais (ou civis) não poderão jamais sair da memória artística da humanidade.

jef, janeiro 2020

«1917» de Sam Mendes. Com George MacKay, Dean-Charles Chapman, Mark Strong, Andrew Scott, Richard Madden, Claire Duburc, Colin Firth, Benedict Cumberbatch. Fotografia: Roger Deakins. Música: Thomas Newman. Grã-Bretanha / EUA, 2019, Cores, 118 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário