domingo, 2 de fevereiro de 2020

Sobre o filme «J'Accuse - O Oficial e o Espião» de Roman Polanski, 2019















Um dos filmes do ano.

Roman Polanski mostra como é mestre na narrativa de suspense e na encenação teatral num famoso caso de verdade-(in)justiça-mentira, um dos episódios mais perversos de anti-semitismo na Europa. L’Affaire Dreyfus. Um diligente oficial do exército francês é acusado injustamente de espionagem a favor da Alemanha por ser judeu, fazendo levantar ondas de ódio popular contra ele mas, por outro lado, arregimentar os intelectuais a favor da sua inocência. Tão famoso é o «Caso Dreyfus» como a carta aberta que Émile Zola escreve em sua defesa ao presidente da República Francesa, intitulada «J’Accuse» e publicada no jornal L’Aurore. Janeiro de 1898. Tiragem brutal de 300.000 exemplares… Um caso de mentira absoluta encenada pelos corredores dos serviços secretos militares contra um judeu tornando-se numa bomba noticiosa que divide a sociedade francesa. Se fosse hoje, alguém comentaria a «fake news» lançando-a para o esgoto das redes sociais e o ódio era incendiado… As coisas não mudaram muito.

O mais curioso neste empolgante filme de suspense e espionagem é o facto de ficarmos cativos logo no início pela cerimónia militar de humilhação pública de Alfred Dreyfus (um Louis Garrel transfigurado), num plano tenso e brutal, mas belíssimo, quase silencioso, em que a nossa atenção vira-se para o coronel George Picquart (Jean Dujardin) que assiste em formatura e que, a partir dali, investigará o caso suspeito pelos meandros dos serviços secretos.

George Picquart é um homem circunspecto, quase misantropo, quase altivo, pouco simpático, mas que tem a verdade por principio ético superior. De poucas falas mas militar de princípios e convicções, irá provocar um tremor de terra na estrutura hierárquica tanto política como militar de França.

A banda sonora de Alexandre Desplat é servida com parcimónia apenas na devida medida em que o silêncio é fundamental para a tensão criada no espectador, enquanto cenários, decores e guarda-roupa fazem-nos acreditar que estamos perante um drama romântico oitocentista, operático, que também é!

Os olhares, rigorosamente medidos, construindo as personagens em modo teatral, fazem parte integrante da aceleração da intriga. Temos de lhes estar atentos. Jean Dujardin dentro de Picquart, Louis Garrel dentro Dreyfus, Emmanuelle Seigner dentro Pauline Monnier, amante de Picquart, Grégory Gadebois dentro do nojento Henry, Mathieu Amalric dentro do grafologista expressionista,…

Sem dúvida um dos grandes filmes do ano e, tal como «Uma Vida Escondida» de Terrence Mallick (2019), nos impõe, cinematograficamente, a colossal dimensão que a consciência e a verdade possuem perante os mais terríveis paradoxos da humanidade: o anti-semitismo, a barbárie, a xenofobia.

jef, janeiro 2020

«J'Accuse - O Oficial e o Espião» (J'Accuse) de Roman Polanski. Com  Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner, Grégory Gadebois, Mathieu Amalric, Melvil Poupaud, Eric Ruf, Didier Sandre, Hervé Pierre, Wladimir Yordanoff, Michel Vuillermoz. Argumento adaptado por Roman Polanski e Robert Harris a partir da novela «An Officer and a Spy» de Robert Harris. Música: Alexandre Desplat. Fotografia: Pawel Edelman. Itália / França, 2019, Cores, 132 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário