Um dos filmes do ano.
Roman Polanski mostra como é mestre na narrativa de suspense e
na encenação teatral num famoso caso de verdade-(in)justiça-mentira, um dos
episódios mais perversos de anti-semitismo na Europa. L’Affaire Dreyfus. Um diligente
oficial do exército francês é acusado injustamente de espionagem a favor da
Alemanha por ser judeu, fazendo levantar ondas de ódio popular contra ele mas,
por outro lado, arregimentar os intelectuais a favor da sua inocência. Tão
famoso é o «Caso Dreyfus» como a carta aberta que Émile Zola escreve em sua
defesa ao presidente da República Francesa, intitulada «J’Accuse» e publicada no
jornal L’Aurore. Janeiro de 1898. Tiragem brutal de 300.000 exemplares… Um
caso de mentira absoluta encenada pelos corredores dos serviços secretos militares
contra um judeu tornando-se numa bomba noticiosa que divide a sociedade
francesa. Se fosse hoje, alguém comentaria a «fake news» lançando-a para
o esgoto das redes sociais e o ódio era incendiado… As coisas não mudaram
muito.
O mais curioso neste empolgante filme de suspense e espionagem
é o facto de ficarmos cativos logo no início pela cerimónia militar de
humilhação pública de Alfred Dreyfus (um Louis Garrel transfigurado), num plano
tenso e brutal, mas belíssimo, quase silencioso, em que a nossa atenção vira-se para o coronel
George Picquart (Jean Dujardin) que assiste em formatura e que, a partir dali, investigará o caso suspeito pelos meandros dos serviços secretos.
George Picquart é um homem circunspecto, quase misantropo, quase
altivo, pouco simpático, mas que tem a verdade por principio ético superior. De
poucas falas mas militar de princípios e convicções, irá provocar um tremor
de terra na estrutura hierárquica tanto política como militar de França.
A banda sonora de Alexandre Desplat é servida com parcimónia
apenas na devida medida em que o silêncio é fundamental para a tensão criada no
espectador, enquanto cenários, decores e guarda-roupa fazem-nos acreditar que
estamos perante um drama romântico oitocentista, operático, que também é!
Os olhares, rigorosamente medidos, construindo as personagens
em modo teatral, fazem parte integrante da aceleração da intriga. Temos de lhes
estar atentos. Jean Dujardin dentro de Picquart, Louis Garrel dentro Dreyfus, Emmanuelle
Seigner dentro Pauline Monnier, amante de Picquart, Grégory Gadebois dentro do
nojento Henry, Mathieu Amalric dentro do grafologista expressionista,…
Sem dúvida um dos grandes filmes do ano e, tal como «Uma Vida
Escondida» de Terrence Mallick (2019), nos impõe, cinematograficamente, a
colossal dimensão que a consciência e a verdade possuem perante os mais terríveis paradoxos da
humanidade: o anti-semitismo, a barbárie, a xenofobia.
jef, janeiro 2020
«J'Accuse - O Oficial e o Espião» (J'Accuse) de Roman
Polanski. Com Jean Dujardin, Louis
Garrel, Emmanuelle Seigner, Grégory Gadebois, Mathieu Amalric, Melvil Poupaud, Eric
Ruf, Didier Sandre, Hervé Pierre, Wladimir Yordanoff, Michel Vuillermoz. Argumento
adaptado por Roman Polanski e Robert Harris a
partir da novela «An Officer and a Spy» de Robert Harris. Música: Alexandre
Desplat. Fotografia: Pawel Edelman. Itália / França, 2019, Cores, 132 min.
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