quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Sobre o disco «Lina_Raül Refree», Glitterbeat / Uguru, 2020

















A fadista Lina (o outro ego de Carolina, com disco de 2014 e participação em musicais de Filipe La Féria) encontra-se com Raül Refree, (músico e reconhecido produtor catalão ligado à música electrónica) e resolvem criar um disco de fado que poderia ser chamado "clássico" mas tem tudo para ser o oposto de “clássico”. O que o torna um caso curioso.

Por um lado, Lina não tenta “copiar” Amália em «Medo», «Gaivota» ou «Barco Negro». É ela própria que se atira ao «Fado Menor» com comoção e vibrato, talvez com a contida reverência, tímida fúria de quem se aproxima de «Foi Deus», juntando-lhes Améla Muge ou António Variações.

Por outro lado, a cantora não teme a construção ambiental electrónica, parecida com um certo trip-hop à Portishead / Beth Gibbons, com que Raül Refree vai destruindo cada canção anulando o (pre)conceito da limpidez da voz, adaptando-lhe ruídos, distorções, respirações, quase suspiros, tão ao modo das gravações que são apagadas nos estúdios por imperfeitas mas que guardam mais emotividade que as mais finalizadas mas cansadas versões. É como se Brian Eno entrasse numa antiga casa de fados, ainda sem turistas e, tomado pelo éter do vinho carrascão e pelo esconso obscuro das paredes, não conseguisse colocar no local certo os amplificadores, os microfones, os teclados, esquecendo-se até da guitarra portuguesa e da viola.

Raül Refree retira a alma de fadista de Lina e devolve-nos a sua voz.
Lina recobre uma certa loucura do fraseado ambiental, do mundo musical demente de Raül Refree, e entrega-nos o seu eco.

Um disco não para ouvir, mas para re-ouvir.

jef, fevereiro 2020

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