A fadista Lina (o outro ego de Carolina, com disco de 2014 e
participação em musicais de Filipe La Féria) encontra-se com Raül Refree,
(músico e reconhecido produtor catalão ligado à música electrónica) e resolvem
criar um disco de fado que poderia ser chamado "clássico" mas tem tudo para ser o
oposto de “clássico”. O que o torna um caso curioso.
Por um lado, Lina não tenta “copiar” Amália em «Medo»,
«Gaivota» ou «Barco Negro». É ela própria que se atira ao «Fado Menor» com
comoção e vibrato, talvez com a contida reverência, tímida fúria de quem se
aproxima de «Foi Deus», juntando-lhes Améla Muge ou António Variações.
Por outro lado, a cantora não teme a construção ambiental electrónica,
parecida com um certo trip-hop à Portishead / Beth Gibbons, com que Raül Refree
vai destruindo cada canção anulando o (pre)conceito da limpidez da voz,
adaptando-lhe ruídos, distorções, respirações, quase suspiros, tão ao modo das
gravações que são apagadas nos estúdios por imperfeitas mas que guardam mais
emotividade que as mais finalizadas mas cansadas versões. É como se Brian Eno
entrasse numa antiga casa de fados, ainda sem turistas e, tomado pelo éter do
vinho carrascão e pelo esconso obscuro das paredes, não conseguisse colocar no local
certo os amplificadores, os microfones, os teclados, esquecendo-se até da
guitarra portuguesa e da viola.
Raül Refree retira a alma de fadista de Lina e devolve-nos a sua voz.
Lina recobre uma certa loucura do fraseado ambiental, do
mundo musical demente de Raül Refree, e entrega-nos o seu eco.
Um disco não para ouvir, mas para re-ouvir.
jef, fevereiro 2020
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