quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Sobre o livro «Apuros de Um Pessimista em Fuga» de Mário de Carvalho. Caminho, 1999













Eis um livro a que sempre volto, por razões várias, e que colecciono na estante da minha “biblioteca dos pequenos livros”. Uma das novelas de Mário de Carvalho de que mais gosto e que, ao longo do tempo, me faz crer que a eternidade de um texto reside tanto no apuro sintáctico, na beleza semântica, nesse modo divertido de irmos atrás de vocábulos invulgares, como no lastro que ele deixa na memória do nosso quotidiano.

Quero dizer que certos livros, como este, fazem-nos compreender o próprio dia-a-dia pois, na sua arqueologia profunda, o guardam lá dentro. Explicam-nos como a cidade de Lisboa se distribui vagueando na geografia que as ruas cravam na nossa mnemónica urbana. Executam um princípio fundamental que diz ser a ficção o melhor aliado emocional da História, a melhor tabela para o seu mais íntimo entendimento. Finalmente, acalmam-nos na nossa mais arreigada, e tantas vezes injustificada, descrença pessimista no dia que vem aí. A melhor ficção está sempre, no presente, a dizer-nos que a insegurança que a sociedade nos coloca dentro do nosso coração pré-deprimido deve ser combatida, pois o curso livre das ideias, a circulação democrática na cidade, a solidariedade pela opinião contrária, são fundamentos legados pelo 25 de Abril e de que jamais poderemos abrir mão.

jef, fevereiro 2020

Nota. Esta novela está actualmente editada na Porto Editora em conjunto com outros dois textos imprescindíveis para compreender a diversidade narrativa em Mário de Carvalho: «Quatrocentos Mil Sestércios» e «O Conde Jano».

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