Eis um livro a que sempre volto, por razões várias, e que colecciono
na estante da minha “biblioteca dos pequenos livros”. Uma das novelas de Mário
de Carvalho de que mais gosto e que, ao longo do tempo, me faz crer que a
eternidade de um texto reside tanto no apuro sintáctico, na beleza semântica, nesse
modo divertido de irmos atrás de vocábulos invulgares, como no lastro que ele deixa
na memória do nosso quotidiano.
Quero dizer que certos livros, como este, fazem-nos
compreender o próprio dia-a-dia pois, na sua arqueologia profunda, o guardam lá
dentro. Explicam-nos como a cidade de Lisboa se distribui vagueando na geografia
que as ruas cravam na nossa mnemónica urbana. Executam um princípio fundamental
que diz ser a ficção o melhor aliado emocional da História, a melhor tabela
para o seu mais íntimo entendimento. Finalmente, acalmam-nos na nossa mais arreigada,
e tantas vezes injustificada, descrença pessimista no dia que vem aí. A melhor
ficção está sempre, no presente, a dizer-nos que a insegurança que a sociedade
nos coloca dentro do nosso coração pré-deprimido deve ser combatida, pois o
curso livre das ideias, a circulação democrática na cidade, a solidariedade
pela opinião contrária, são fundamentos legados pelo 25 de Abril e de que jamais poderemos abrir mão.
jef, fevereiro 2020
Nota. Esta novela está actualmente editada na Porto Editora em conjunto
com outros dois textos imprescindíveis para compreender a diversidade narrativa
em Mário de Carvalho: «Quatrocentos Mil Sestércios» e «O Conde Jano».
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