sábado, 25 de julho de 2020

Sobre o livro «Contos de São Petersburgo» de Nikolai Gógol. Assírio & Alvim, 3ª edição 2017. Tradução e apresentação de Nina Guerra e Filipe Guerra.

 












Aos cinco contos em que São Petersburgo se encontra no centro da peripécia, junta-se «A Caleche» onde um general e um regimento de cavalaria assentam praça numa cidadezinha inominável. As várias taças de ponche e uma provinciana falácia sobre as qualidades de uma caleche instigam o convite, no dia seguinte, para um almoço de estado militar. Contudo, o sono fala mais alto e os convidados chegam e tudo está por organizar… Talvez seja texto mais simples, inocente e directo sobre a hierarquia militar de uma certa Rússia feudal. Contudo, está lá tudo dito e um general permanece envergonhado e escondido.

«Avenida Névski», «O Retrato», «Diário de um Louco», «O Nariz» e «O Capote» fazem parte de um mundo real imaginário de que a Europa de hoje se tem vindo a apartar, perniciosamente. Um mundo que tem tanto de Júlio Verne como de Oscar Wilde, repleto de mistério, fantasia, sonho, crítica social, análise psicológica, divertimento literário, irreverência política. O funcionário público e a sua complexa hierarquia castrense de escalões, as suíças e bigodaças, as comendas e condecorações, os fatos, vestidos e os sapatinhos delicados das donzelas, a ascensão francófona na sociedade. Também o imaginário onírico e louco de um mundo controlado ou descontrolado por espíritos e fantasmas, vindos de umas mil e uma noite eslavas, tudo vai de encontro a uma leitura de alegria, melancolia e tragédia social que, finalmente, desemboca no mais puro e desabrido sarcasmo. Tudo nasce da pena de um Gógol, cuja estratégia narrativa aparece universal, ecuménica, absolutamente livre de modos e escolhos morais, de pretensão.

São características que fazem destes contos uma leitura fundamental para, acima de tudo, quem se diverte simplesmente a ler, mas também para quem gosta de cismar sobre as raízes do pensamento social e do modo artístico europeus. Nestes textos, sem dúvida, há muito futuro ainda por descobrir!

 

jef, julho 2020

 


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