Aos cinco contos em que São Petersburgo se encontra no centro
da peripécia, junta-se «A Caleche» onde um general e um regimento de cavalaria assentam
praça numa cidadezinha inominável. As várias taças de ponche e uma provinciana falácia
sobre as qualidades de uma caleche instigam o convite, no dia seguinte, para um
almoço de estado militar. Contudo, o sono fala mais alto e os convidados chegam e tudo
está por organizar… Talvez seja texto mais simples, inocente e directo sobre
a hierarquia militar de uma certa Rússia feudal. Contudo, está lá tudo dito e um
general permanece envergonhado e escondido.
«Avenida Névski», «O Retrato», «Diário de um Louco», «O
Nariz» e «O Capote» fazem parte de um mundo real imaginário de que a Europa de
hoje se tem vindo a apartar, perniciosamente. Um mundo que tem tanto de Júlio
Verne como de Oscar Wilde, repleto de mistério, fantasia, sonho, crítica
social, análise psicológica, divertimento literário, irreverência política. O funcionário
público e a sua complexa hierarquia castrense de escalões, as suíças e bigodaças,
as comendas e condecorações, os fatos, vestidos e os sapatinhos delicados das
donzelas, a ascensão francófona na sociedade. Também o imaginário onírico e
louco de um mundo controlado ou descontrolado por espíritos e fantasmas, vindos
de umas mil e uma noite eslavas, tudo vai de encontro a uma leitura de alegria, melancolia
e tragédia social que, finalmente, desemboca no mais puro e desabrido sarcasmo. Tudo
nasce da pena de um Gógol, cuja estratégia narrativa aparece universal, ecuménica,
absolutamente livre de modos e escolhos morais, de pretensão.
São características que fazem destes contos uma leitura
fundamental para, acima de tudo, quem se diverte simplesmente a ler, mas também
para quem gosta de cismar sobre as raízes do pensamento social e do modo artístico
europeus. Nestes textos, sem dúvida, há muito futuro ainda por descobrir!
jef, julho 2020
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