A humanidade e o seu dobro, mais a mestria de a narrar. Com
ternura e justiça.
É muito bom ler agora, pela primeira vez, este gigantesco romance,
novelesco, em jeito de episódios encadeados, manobrado entre o humor desabrido e
a tragédia pungente, na altura em que estamos cientes de como é belo e engenhoso
o modo de assim escrever sobre a revolta contra a escravatura da revolução
industrial, do carvão e da tecelagem; sobre a política parlamentar, democrática e hiper-provinciana; sobre as teorias da razão absoluta, dos factos e das
estatísticas numéricas contra a efectiva “educação do coração”; sobre a dádiva
do amor sem limites e a necessidade da acção em prol da justiça humana; sobre o
erro que paira constantemente sobre nós como uma nuvem e a eterna necessidade
de perdoar como fulcro para lhe sobreviver e entrar no futuro.
Mas, acima de tudo, quem depois de o ler deixará de conviver
com o pedagogo “burocrático” Thomas Gradgrind, ou com o fanfarrão, paladino da
autocomiseração, Josiah Bounderby, de Coketown, ou com a sua nariguda e intriguista
senhora Sparsit, ou com a bondosa companhia circense de saltimbancos liderada
por Sleary, ou com o mártir operário Stephen Blackpool, ou com as misericordiosas,
talvez santas, Rachel, Sissy ou Louisa?
É bom, talvez mesmo imprescindível, ler entre o riso e as lágrimas mas em consciência, neste
momento de tanta confusão mundial, um romance como
este sobre a falha, a força e o amor humanos para entender como a literatura maior
sempre ditará sobre a humanidade de hoje e a sua inevitável redenção.
jef, julho 2020
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