quarta-feira, 22 de julho de 2020

Sobre o livro «Tempos Difíceis» (Hard Times) de Charles Dickens. Edição Romano Torres, 1950 (1854). Tradução de Domingos Arouca










A humanidade e o seu dobro, mais a mestria de a narrar. Com ternura e justiça.

É muito bom ler agora, pela primeira vez, este gigantesco romance, novelesco, em jeito de episódios encadeados, manobrado entre o humor desabrido e a tragédia pungente, na altura em que estamos cientes de como é belo e engenhoso o modo de assim escrever sobre a revolta contra a escravatura da revolução industrial, do carvão e da tecelagem; sobre a política parlamentar, democrática e hiper-provinciana; sobre as teorias da razão absoluta, dos factos e das estatísticas numéricas contra a efectiva “educação do coração”; sobre a dádiva do amor sem limites e a necessidade da acção em prol da justiça humana; sobre o erro que paira constantemente sobre nós como uma nuvem e a eterna necessidade de perdoar como fulcro para lhe sobreviver e entrar no futuro.

Mas, acima de tudo, quem depois de o ler deixará de conviver com o pedagogo “burocrático” Thomas Gradgrind, ou com o fanfarrão, paladino da autocomiseração, Josiah Bounderby, de Coketown, ou com a sua nariguda e intriguista senhora Sparsit, ou com a bondosa companhia circense de saltimbancos liderada por Sleary, ou com o mártir operário Stephen Blackpool, ou com as misericordiosas, talvez santas, Rachel, Sissy ou Louisa?

É bom, talvez mesmo imprescindível, ler entre o riso e as lágrimas mas em consciência, neste momento de tanta confusão mundial, um romance como este sobre a falha, a força e o amor humanos para entender como a literatura maior sempre ditará sobre a humanidade de hoje e a sua inevitável redenção.


jef, julho 2020

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