quinta-feira, 2 de julho de 2020

Sobre o filme «Diário duma Criada de Quarto» de Luis Buñuel, 1963.






A Regra do Jogo. Este é um filme à Jean Renoir mas povoado de todas as fracturas oníricas, símbolos psicológicos e todos os animais de Luis Buñuel. Poderia ser considerado uma “Enciclopédia Buñuel”.

No interior da densa, enevoada e fria fotografia de Roger Fellous, chega Céléstine, uma Jeanne Moreau vinda de Paris, o mais requintadamente vestida e calçada, aristocrática, altiva, mas com uma malha na meia. Senta-se na carroça ao lado de Joseph, Georges Géret, intenso, bruto, quase boçal, que logo desmerece do calçado fino da futura criada de quarto e leitora do M. Rabour, um Jean Ozenne viúvo delicado que guarda, às escondidas, botins femininos enlameados. Ele é o pai de Françoise Lugagne, uma Mme Monteil, pedregulho insuportável, frígido e autoritário, que sintetiza os medicamentos em laboratório caseiro, casada com um Michel Piccoli, fraco, libidinoso, servil, que anda atrás das criadas, principalmente Marianne, uma Muni atarantada, insegura, que tudo teme e se deslumbra com nada. O vizinho, o capitão Mauzer, reformado, alegre, impante, falacioso, quase germânico, passa a vida a embirrar com o vizinho e todos os dias atira-lhe lixo por cima do muro.

Como em Jean Renoir, a intensidade das personagens que se movem em torno desta Jeanne Moreau, misteriosa, justa, omnipotente, e correm sem parar à volta do cenário da mansão; as referências políticas sobre as movimentações reaccionárias contra a república, os imigrantes e os judeus; os diálogos teatrais, quase operáticos… 

Contudo, sem dúvida!, é um filme de Luis Buñuel: muito fica em suspenso, deslumbrantemente por explicar, justificado apenas por esse móbil fatal que é a luta entre o senso imaterial e a matéria da carne.


jef, junho 2020


 «Diário duma Criada de Quarto» (Le Journal d’une Femme de Chambre) de Luis Buñuel. Com Jeanne Moreau, Georges Géret, Daniel Ivernel, Françoise Lugagne, Muni, Jean Ozenne, Michel Piccoli, Joëlle Bernard, Françoise Bertin, Jean-Claude Carrière, Aline Bertrand, Pierre Collet, Michel Dacquin, Madeleine Damien, Marc Eyraud, Jean Franval, Gilberte Géniat. Argumento de Luis Buñuel e Jean-Claude Carrière segundo o romance de Octave Mirbeau. Fotografia: Roger Fellous. Produção: Serge Silberman. França / Itália, 1963, Cores, 98 min.


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