terça-feira, 30 de junho de 2020

Sobre o filme «O Fantasma da Liberdade» de Luis Buñuel, 1974

 














É muito divertido lembrar como este filme deu brado quando estreou no mesmo ano de realização no cinema Londres, em Lisboa. Eu não o vi, era para adultos, mas os nossos pais fartaram-se de falar dele. O 25 de Abril tinha chegado há seis meses.

Parece ser uma brincadeira de Buñuel a fazer de Buñuel, imaginando-se por fora, compondo e revendo o seu léxico, em jeito de episódios escritos com Jean-Claude Carrière, a duas mãos, em sequência desconexa, um personagem sai da história anterior, inicia a sua e deixamos para trás a memória da anterior. Consecutivamente, saltando de enredo para enredo, sem saber bem o seu fim. Um «cadáver esquisito» diriam os surrealistas. A lembrar, os encadeados contos bíblicos e de «As Mil e Uma Noites». Recordo eu, agora, «Se numa Noite de Inverno um Viajante» de Italo Calvino (1979) ou «Manuscrito Encontrado em Saragoça» de Jan Potocky (1810).

Talvez por se cingir a uma norma estética este não será o filme mais inovador e criativo de Buñuel, mas é sem dúvida onde o absurdo é levado ao extremo tal como depois fizeram os Monty Phyton. O professor ensina à mais insubordinada turma de polícias do mundo que as leis seguem o comportamento humano e este está permanentemente em mudança, mas não consegue concluir o raciocínio. O pedófilo no parque mostra à socapa fotografias de monumentos parisienses a duas meninas e os pais ficam chocados. É muito má educação falar de comida enquanto se está à mesa a defecar. As perversões sexuais são quase abençoadas. O assassino em série é ovacionado e distribui autógrafos. O jardim zoológico está em polvorosa…

«O Fantasma da Liberdade» pode não ser o melhor filme de Buñuel mas foi realizado em 1974, Portugal revolucionário mas ainda a braços com a imoralidade e a Europa em aguerrida convulsão, social, política, cultural. Nele, agora, ainda vemos a turbulência causada pela sua aguda irreverência, nesse hilariante jogo libertário, quase infantil, de Buñuel brincar a Buñuel e se autodestruir no que seria o penúltimo filme da sua carreira.


jef, junho 2020

 

«O Fantasma da Liberdade» (Le Fantôme de la Liberté) de Luis Buñuel. Com Adriana Asti, Julien Bertheau, Jean-Claude Brialy, Adolfo Celi, Paul Frankeur, Michael Lonsdale, Pierre Maguelon, François Maistre, Hélène Perdrière, Michel Piccoli, Claude Piéplu, Jean Rochefort, Bernard Verley, Milena Vukotic, Monica Vitti, Jenny Astruc, Pascale Audret, Ellen Bahl, Philippe Brigaud, Philippe Brigaud, Philippe Brizard, Agnès Capri, Jean Champion, Jacques Debary, Anne-Marie Deschodt, Jean-Michel Dhermay, Philippe Lancelot, Paul Le Person, Pierre Lary, Marius Laurey. Argumento: Luis Buñuel e Jean-Claude Carrière. Produção: Serge Silberman. Fotografia: Edmond Richard. França, 1974, Cores, 105 min.                                                     


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