«O menino ri até às lágrimas, alegre e excitado: está como quer, no meio dos grandes, gente simultaneamente amiga e inimiga, gente com quem brinca até afogar aquele ódio que sente por eles. Não sente piedade: seria capaz de ferir sem misericórdia.»
O primeiro romance de Italo Calvino (1947) conta a história
de Pin, o menino que vive entre as ruas e os becos de uma aldeia do Norte de
Itália, perdida de si própria, entre os alemães invasores e as brigadas negras
fascistas. Nas montanhas, um destacamento de partigiani está prestes a ser desmantelado por inoperacionalidade.
Pin ver-se-á sozinho, novamente, e procurará a sua pistola P.38 roubada ao
marinheiro alemão Frick e ainda escondida, pensa ele, lá onde as aranhas fazem
ninho.
É inútil classificar este romance de “neo-realista”, apesar
de revelar todo o empenho que Calvino devotou à resistência armada como partigiano. Seria tão neo-realista
quanto «O Principezinho» de Antoine Saint Exupery (1943), «Constantino Guardador
de Vacas e de Sonhos» de Alves Redol (1962) ou «Vem e Vê», o filme de Elem Klimov
(1985). Este romance contém esse cruzamento de grotesco filosófico, de desconcentração
ficcional, de compreensiva incompreensão do género humano, que fazem seres
únicos autores como Italo Calvino, Franz Kafka, Albert Camus ou Gonçalo M.
Tavares.
Não se procure doutrina, placebos ou paliativos. Aqui
condensa-se apenas a verdade sublinhada como fazia o coro grego quando
exacerbava ou reprimia a acção por ver em palco. «O Atalho dos Ninhos de
Aranha» contém o génio literário e a vocação, quase infantil, de Italo Calvino
para escalpelizar a filosofia, a psicologia e o mundo do corpo humano.
«Isto é diferente do que se passa com
todos os outros homens: ter inimigos, uma sensação nova e desconhecida para
Pin. No beco havia gritos, discussões e injúrias entre homens e mulheres, dia e
noite, mas não aquela amarga necessidade de inimigos, aquele desejo que não
deixa dormir de noite. Pin ainda não sabe o que significa ter inimigos. Para
ele, todos os seres humanos possuem algo de nojento como vermes e algo de bom e
terno que atrai a companhia.»
jef, junho 2020
«O Atalho dos Ninhos de Aranha» (Il Sentiero dei Nidi di
Ragno) de Italo Calvino. Tradução de José Manuel Calafate. Capa de Octávio
Clérigo. O Livro de Bolso nº 3, Portugália Editora (1947) / ?. 248 pp.
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