Aqui se reúnem quatro das novelas de Stefan Zweig: «O Medo»,
«Revelação Inesperada de uma Profissão», «Leporella» e «O Alfarrabista Mendel».
Em todas está contida a escrita daquele observador, filigranista de gema, que
não deixa nada longe do escalpelo: as emoções, a cidade, a moral, o tempo e o
modo da sociedade. Stefan Zweig, pan-europeu desinibido, culto e perspicaz,
sensível e mordaz, a sua vida e a sua obra centralizam nostalgicamente tudo o
que a Europa devia ser e, obviamente, hoje em dia não é. Um mundo culto,
burguês, diletante, dir-se-ia despreocupado, talvez distraído ou pouco
mobilizado, que se viu destroçado pelo vírus do holocausto que o nazismo disseminou.
Esse universo ideal e sem barreiras para a cultura e depois
destruído de modo implacável, está descrito na comovente história do
alfarrabista Jacob Mendel que se vê, pelo seu preciosismo amoroso às edições raras, vindas de toda a Europa, espoliado de toda a vida, dos livros, da memória:
«Depois parti, sentindo vergonha
diante dessa pobre velha que ficara fiel àquele morto, tão simplesmente, tão
humanamente. Pois ela, na sua candura, conservara piedosamente um livro para
melhor se lembrar dele, enquanto eu havia esquecido Mendel durante anos, eu,
que devia saber que os livros são feitos para unir os homens para além da morte
e para nos defender contra o inimigo mais implacável da vida – o esquecimento.»
Em «Leporella» a história vai ao encontro da devoção e da
entrega, quase irracionais, quase caninas, de um ser humano por outro. Uma
paixão tão fatal e incompreendida que parece apenas receber a compaixão do
narrador e, por via deste, de nós, leitores.
No segundo conto é a cidade de Paris que brilha de modo
estonteante e despreocupado, fazendo-nos correr atrás de um observador recém-chegado
à cidade e que, por passatempo, segue no encalço de alguém que luta contra a
miséria. Segue-o para o compreender.
Interessante, em «O Medo», a diferença abismal da visão que Stefan
Zweig nos dá da vida mimada de Irene Wagner, familiarmente microscópica, socialmente
sem propósito, dissecada passo a passo, diria psicologicamente impressionista, dessa
adaptação cinematográfica que Roberto Rosselini fará do texto, em 1954. Aqui desaparecem
os laivos oitocentistas e moralmente compensadores e reaparece um ambiente
germânico moderno, austero, quase conflituoso, impregnado de sombras e mistério,
de silêncios e sombras expressionistas.
Nos textos de Stefan Zweig ressalta sempre uma acuidade
narrativa no interior da sua grande humanidade, diria mesmo amabilidade,
crucial. Essas são duas das razões que fazem dele um dos meus autores
preferidos.
jef, junho 2020
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