Este filme foi entregue à
actriz Tilda Swinton. Uma persona artística tão versátil e pura, quanto
abstracta, no modo como veste cada uma das personagens. Aqui assume
integralmente a pele de Jessica que anda em busca da réplica perfeita de um
som, talvez estrondo, que a persegue em sonhos e no sono. Está na Colômbia e
procura também a memória arqueológica e futurista desse objecto acústico que anseia
por uma interpretação muito precisa. Deste modo, também a própria memória carece
de um significado ou, talvez melhor, de uma transmissão psico-neurológica que a traga do
passado para o presente.
Deixemo-nos ir sem mais
delongas caminhando atrás da ansiedade de Jessica, essa Tilda Swinton que preenche
o ecrã e nos faz divagar pelo interior do que não entendemos lá muito bem. Não interessa.
Fui, assim, também eu divagando
por dentro da minha memória, relembrando Antonio Tabucchi que, numa das últimas
edições de «Requiem» (Dom Quixote, 2007), disserta no final sobre a memória e
refere como a voz do seu pai, falecido há pouco, regressa em sonho claro chamando
por ele. Comoveu-me muito. Também o mesmo me sucedeu, escutando a voz do meu
pai, calma mas deveras precisa, dizendo o meu nome como se quisesse que eu
acordasse naquele momento. E acordou mesmo!
Também, entretanto, fui
vogando até uma das mais belas composições de Laurie Anderson «The Beginning of
Memory» (Homeland, 2010) quando nos conta a história de uma cotovia que voava em
círculos numa antiga era antes da Terra existir, quando havia apenas ar e pássaros. Um
dia, o seu pai morreu e a cotovia, sem terra, ficou com um dilema – onde
enterrar o seu corpo? Por fim, encontrou a solução fazendo-o na parte de trás
da cabeça. Assim nasceu, a Memória, diz-nos Laurie Anderson.
«Memoria» de Apichatpong
Weerasethakul pode não ser o melhor filme abstracto do mundo mas fez-me
contemplar Tilda Swinton e transportou-me até à memória que trago na parte de
trás da cabeça, levando-me a Antonio Tabucchi, a Laurie Anderson, até ao meu pai.
jef, fevereiro 2022
«Memória» (Memoria)
de
Apichatpong Weerasethakul. Com Tilda Swinton, Elkin Díaz, Jeanne Balibar, Juan
Pablo Urrego, Daniel Giménez Cacho Agnes Brekke, Jerónimo
Barón. Argumento: Apichatpong Weerasethakul. Produção: Tilda
Swinton, Apichatpong Weerasethakul, Paola Andrea Pérez Nieto. Fotografia: Sayombhu
Mukdeeprom. Som: Raúl Locatelli. Música: Cesar Lopez. Colômbia, Tailândia,
França, Alemanha, 2021, Cores, 136 min.
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