Sócrates
sai da Arcádia e volta a Atenas para deixar a cidade e regressar ao silêncio da
pele nua do mar. Visita o silêncio do que nunca escreveu. Os jovens escutam-no.
O corpo é o aqui e o agora. A ágora espreita, escandalizada.
Tântalo
lamenta-se pelo gelo da fome e da sede do que jamais tocará. Quer chegar-se mas
o ali é mais além e os corpos distendem-se, distanciam-se, petrificam. Rejeita
o agora. Apenas lamentação.
Narciso
nega e nega-se para poder ser só ele. Porém, quando percebe que o outro, o
homem, seu semelhante, o deseja como ele se deseja, deixa de mirar o reflexo no
espelho da água e entrega-se ao outro, que é homem também. Finalmente, reconhece-se
como igual e deixa-se amar.
Aquiles,
o herói mortal é ferido. Mortalmente. O sudário é vermelho-sangue. No final, a ferida e o sofrimento são o
presente, são o reflexo do corpo. São o próprio corpo que se entrega à morte.
Apenas corpo e presente intangíveis, sem futuro. Voltámos ao início. O passado
(e o futuro) é como as palavras que nada são, apenas qualquer coisa quando transformadas
em acção. Até lá as palavras (e o corpo) são somente presente e o presente não
é nada. Antes, é o nada. É o corpo além.
Tal
como cada um de nós em cada dia que termina.
O texto é de uma beleza sublime, é como uma homília sacrificial. O traço da vida efémera. Uma representação do futuro inconstante que, talvez, jamais consigamos
tocar. É a pele do mundo em nós.
jef,
janeiro 2022
«Obstrução»
de Dimítris Dimitriádis. Com André Loubet, Diogo Freitas, Simon Frankel, Pedro
Caeiro, Pedro Lacerda. Tradução José António Costa Ideias. Cenografia e
Figurinos: Rita Lopes Alves. Luz: Pedro Domingos. Encenação: Jorge Silva Melo
M16. Teatro Paulo Claro na Politécnica. Janeiro 2022
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