A
Morte, a eterna companheira.
É
dela também que a vida se faz.
E
esta peça constrói-se sobre a Morte e sobre o riso que quantas vezes ela provoca.
Dois
pesos e duas medidas, tal como Shakespeare, que escreveu tantas tragédias
quantas comédias e que, pelo meio da mais famosa daquelas, «Hamlet», vai
colocando uns coveiros meio confundidos, meio ébrios.
Coveiros,
uma profissão tão comum à própria eternidade e que sempre arrastou uma âncora
de asco, de desprezo, de miséria e, porque não, de uns quantos copos e
gargalhadas.
Para
eles, um dentro da cova, outro cá em cima, tanto lhes faz enterrar o rei morto
ou o bobo decrépito. Segredo, que o rei posto desconfia, enquanto Ofélia vai
vogando, suave e fria, sobre as águas. Ou será Ofrâmia?
Ou
será o actor que se chega à frente para chorar um outro actor que, ante a
Morte, corpo a corpo, se perdeu na duplicação da vida. Uma dualidade que o
teatro logo provoca ou logo estanca e que Jacinto Lucas Pires não pretende
resolver, antes agitar para a olhar de frente. Porque solução verdadeiramente
eficaz só com a Morte. Mas, até lá, valha-nos a consciência que o riso oferece.
O
autor deseja isso mesmo, retirar o sentido de Hamlet através da sua
reconstrução fragmentada, trazendo-a para a actualidade. Viva. Usa Shakespeare
a seu belo prazer, lançando-o à encenação acelerada de Marcos Barbosa, já que
enquanto o morto mexer não se lhe fará o funeral, deixando os cinco actores (e
um músico) em agitada marcação de cena, em encantada e certeira sobreposição de
personagens, de máscaras (e de chapéus!).
Uma
belíssima surpresa dramática.
Jovens actores a ter muito em conta.
jef, janeiro 2022
«Coveiros»
de Jacinto Lucas Pires, a partir de «Hamlet» de William Shakespeare. Com Raquel
Silva, Joana Pialgata, Pedro Moldão, Pedro Fontes e Marcos Barbosa. Violino:
Pedro Fontes. Encenação: Marcos Barbosa. Cenografia e figurinos: Sara Amado.
Desenho de Luz: David Caetano. Produção: Centro Internacional de
Dramaturgia (Guarda) / Admirável Reino – Escola do Largo. 2022. 70 min.
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