segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Sobre a peça de teatro «Coveiros» de Jacinto Lucas Pires. Centro Internacional de Dramaturgia (Guarda) / Admirável Reino – Escola do Largo, 2022

























A Morte, a eterna companheira.

É dela também que a vida se faz.

E esta peça constrói-se sobre a Morte e sobre o riso que quantas vezes ela provoca.

Dois pesos e duas medidas, tal como Shakespeare, que escreveu tantas tragédias quantas comédias e que, pelo meio da mais famosa daquelas, «Hamlet», vai colocando uns coveiros meio confundidos, meio ébrios.

Coveiros, uma profissão tão comum à própria eternidade e que sempre arrastou uma âncora de asco, de desprezo, de miséria e, porque não, de uns quantos copos e gargalhadas.

Para eles, um dentro da cova, outro cá em cima, tanto lhes faz enterrar o rei morto ou o bobo decrépito. Segredo, que o rei posto desconfia, enquanto Ofélia vai vogando, suave e fria, sobre as águas. Ou será Ofrâmia?

Ou será o actor que se chega à frente para chorar um outro actor que, ante a Morte, corpo a corpo, se perdeu na duplicação da vida. Uma dualidade que o teatro logo provoca ou logo estanca e que Jacinto Lucas Pires não pretende resolver, antes agitar para a olhar de frente. Porque solução verdadeiramente eficaz só com a Morte. Mas, até lá, valha-nos a consciência que o riso oferece.

O autor deseja isso mesmo, retirar o sentido de Hamlet através da sua reconstrução fragmentada, trazendo-a para a actualidade. Viva. Usa Shakespeare a seu belo prazer, lançando-o à encenação acelerada de Marcos Barbosa, já que enquanto o morto mexer não se lhe fará o funeral, deixando os cinco actores (e um músico) em agitada marcação de cena, em encantada e certeira sobreposição de personagens, de máscaras (e de chapéus!).

Uma belíssima surpresa dramática.

Jovens actores a ter muito em conta.


jef, janeiro 2022

«Coveiros» de Jacinto Lucas Pires, a partir de «Hamlet» de William Shakespeare. Com Raquel Silva, Joana Pialgata, Pedro Moldão, Pedro Fontes e Marcos Barbosa. Violino: Pedro Fontes. Encenação: Marcos Barbosa. Cenografia e figurinos: Sara Amado. Desenho de Luz: David Caetano. Produção: Centro Internacional de Dramaturgia (Guarda) / Admirável Reino – Escola do Largo. 2022. 70 min.

 


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