Este está a um passo de
ser um óptimo filme, quase uma comédia que, de modo ostensivo, usurpa a sombra
de um dos filmes míticos de Fassbinder, «As Lágrimas Amargas de Petra von Kant»
(1972), e persegue o fantasma de um dos mais hiperactivos e geniais
realizadores alemães contemporâneos.
A história é muito simples
como jamais terá sido cada dia de Rainer Werner Fassbinder. O prestigiado
realizador Peter von Kant (Denis Ménochet) vive entre a espada da realização
aclamada e a parede das suas obsessões criativas e afectivas. Vive com o seu
secretário, Karl (Stefan Crepon), e tenta esquecer uma antiga paixão
cinematográfica por Sidonie (Isabelle Adjani). E eis que esta chega a sua casa
e lhe apresenta um jovem adónis, Amir (Khalil Ben Gharbia), por quem Peter se
apaixona loucamente.
As figuras de Peter, Amir
e Karl são extremamente caricaturais, contudo nunca chegam a ser
desesperadamente caricaturais, como eram as personagens criadas por Fassbinder.
Notamos esse facto quanto entra em cena Sidonie e que, por diversas razões, vai
ocupar, com plasticidade cénica e dramática, o centro do ecrã e absorver a
nossa atenção. Assim acontece também quando a sua mãe aparece no dia de aniversário,
Rosemarie von Kant (Hanna Schygulla). A par destas duas personagens, ao
extraordinário actor Denis Ménochet é-lhe oferecido o difícil papel de Peter
von Kant, inventivo e histriónico mas que nunca deixa de nos parecer infantil,
mimado e choramingão.
E «As Lágrimas Amargas de
Petra von Kant» (1972) e toda obra de Rainer Werner Fassbinder sempre tiveram um
carácter politicamente subversivo, socialmente provocador, esteticamente
incontornável, mas nunca terá sido mimada ou choramingona!
A este filme falta-lhe qualquer coisa. Alguma centelha perdida de génio.
jef, março 2022
«Peter von Kant» de
Asghar Farhadi. Com Denis Ménochet, Isabelle Adjani, Khalil Ben Gharbia, Stefan
Crepon, Hanna Schygulla, Aminthe Audiard. Argumento: François Ozon, adaptação
livre de “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant” de Rainer Werner Fassbinder.
Produção: Genevieve Lemal, François Ozon. Fotografia: Manuel
Dacosse. Música: Clément Ducol. França, Alemanha, 2022, Cores, 85 min.
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