O
livro é apresentado pelo autor como uma “sonata para uma neblina” com três
andamentos. E quem o lê apercebe-se que contém uma certa alegoria musical que
deve ser cantada. Ou contada. Alguém que chega e retém nas suas mãos as mãos de
quem canta (ou conta) esta partitura sobre neblinas, guerras e fronteiras. Três
gerações, duas, três ou mais guerras, outras tantas revoltas. Quatro
continentes, muitas cores de pele, duas repúblicas: a de Manu-mutin, mas
primeiro a de Manu-metan, reduzida a cinzas. Um crocodilo, ancestral, que espreita
na ribeira, o petróleo que aguarda no fundo do mar. Galo preto Galo branco, lutadores,
pomba depenada, pavões pintados. Um ganso dominador Sun Tzu, um feitor com
várias caras, Américo Borromeu. Os cafezais e o café «Insulíndia». As abóboras cucurbita que não se plantam antes
semeiam. Raimundo Chibanga, depois o comendador Raimundo, seu filho, depois a
noiva que conta (ou canta) eternamente, que eternamente espera e repete a mesma
pergunta com a resposta no silêncio do olhar do outro. Irmãos extraordinários
unidos por Don Quijote e pelo fiel escudeiro Sancho Pança. Enquanto a Tia
Benedita ouve na grafonola Doris Day cantar o «Que Sera Sera».
História
densa, fatídica, complexa que narra o percurso turbulento e dividido de uma
ilha traçada por uma fronteira que não impediu (ou talvez tenha promovido)
a confluência de tantas línguas, povos e lutas pela resistência.
Luís
Cardoso opta estrategicamente por envolver a aventura em modo de saga familiar
no tom épico das grandes narrativas epopeicas que, ouvidas muito antes de serem
lidas, repetiam versos e estrofes, por sistema e ritmo, para que os ouvintes,
aqui os leitores, apreendam, memorizem e sigam o compasso da sonata.
E fá-lo muito bem.
Sem comentários:
Enviar um comentário