Seria um belíssimo filme sobre um dos principais temas da ficção universal – o fim
da inocência infantil e o despertar das hormonas com a entrada, mais ou menos
forçada, numa era que entrega, aos solavancos, o poder de um corpo aos novíssimos sentimentos. Actualmente, o velho tema iniciático do
fim da infância e da chegada da adolescência transformadora tornou-se
recorrente. («Libertad», Clara Roquet 2021; «Aftersun», Charlotte Wells 2022; «Close»,
Lukas Dhont 2022; «20 000 Espécies de Abelhas», Estibaliz Urresola Solaguren
2023).
A
realizadora canadiana teria tudo ali à mão para fazer um filme
extraordinário: o cenário privilegiado de uma cabana à beira de um lago no
Quebeque, duas famílias amigas a partilharem amáveis refeições e brincadeiras
de férias, dois adolescentes que se encontram e divertem através de jogos de
susto em torno do fantasma de um jovem afogado que ensombra o lago. Filmagens num quase doméstico Super-8, belo
guarda-roupa e espaços pequenos, fechados, desarrumados, onde a troca de olhares
e de gestos se torna fulcral para melhor entregar a cena aos dois belíssimos
actores: Joseph Engel, o medroso e quase infantil Bastien, e Sara Montpetit, mais velha e desenvolta adolescente Chloé que parece ainda ter saudades de
não ter medo do futuro.
Tudo está certo, tudo parece correr bem ao contarem-nos uma história comum através dos pequenos gestos e acontecimentos sem importância que se passam durante umas férias simples. O espectador adere, envolve-se, até que o filme, como alguns outros recentes, começa a assumir contornos de querer tudo explicar e de tudo tornar explícito, adensando as nuvens, a música, o medo. Decepcionante, é também mais um filme sobre a adolescência que para se achar definitivo vem colocar de modo abrupto o tom trágico, apesar de inconclusivo, no final. Que bom filme seria se tivesse menos 15 minutos!
E
que saudades nós temos das férias na praia de Éric Rohmer.
jef,
agosto 2023
«Falcon
Lake» de
Charlotte Le Bon. Com Joseph Engel, Sara Montpetit, Monia Chokri, Arthur Igual,
Karine Gonthier-Hyndman, Anthony Therrien, Pierre-Luc Lafontaine, Thomas
Laperriere, Lévi Doré, Jeff Roop Jacob Whiteduck-Lavoie, Éléonore Loiselle, Samir
Firouz. Argumento: Charlotte Le Bon. Produção: Sylvain Corbeil, Julien
Deris, David Gauquié. Fotografia: Kristof Brandl. Música: Shida Shahabi.
Guarda-roupa: Gabrielle Lauzier. França / Canadá, 2022, Cores, 100 min.
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