Existe
neste thriller de suspense, tão bem urdido, um persistente nódulo de incómodo e
inquietação, de interrogação e clausura que nos faz agradecer eternamente às
nossas presentes democracia (laica) e liberdade (religiosa).
Tudo
se passa através do olhar e do sofrimento de um paupérrimo e inteligente filho
de pescador egípcio que se vê seleccionado para estudar na maior mesquita
universitária do mundo, Al-Azhar, no Cairo. O olhar de Adam (Tawfeek Barhom) é
construído com base do medo e na tentativa de sobrevivência num universo onde o
poder tenta impor a nova chefia para a instituição de acordo com o cânone político e, no interior daquela espécie de solitária, as diversas facções islâmicas, entre
as quais as mais radicais, fazem valer as suas perpectivas para a tomada do
poder. No fundo do olhar atormentado de Adam, feito espião triplo entre tribos,
reside a incompreensão mas também emerge a vontade de ditar a sua própria moral
– a moral do filme. Adam vê-se traído, é em simultâneo bufo e traidor, e o
poder político apropria-se dele para levar a água ao seu moinho.
O
actor Tawfeek Barhom é totalmente convincente naquele seu silencioso desespero,
onde o cenário é o labirinto de uma solidão onde não existe hipótese de fuga.
Contudo,
a tal moral assumida, reverente, quase inumana, dá um tom beatífico ao filme
que desmerece, por fim, o percurso justiceiro de herói solitário conquistado por
Adam.
jef,
agosto 2023
«A
Conspiração do Cairo» (Cairo Conspiracy / Walad min al-Janna) de Tarik Saleh. Com
Tawfeek Barhom, Fares Fares, Mehdi Dehbi, Mohammad Bakri, Makram Khoury,
Sherwan Haji, Yunus Albayrak, Mouloud Ayad, Youssef Salama Zeki, Ayman Fathy, Hassan
El Sayed. Argumento: Tarik Saleh. Produção: Ali Akdeniz, Fredrik
Zander. Fotografia: Pierre Aïm. Música: Krister Linder. Suécia, Dinamarca, França,
Marrocos, 2022, Cores, 126 min.
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