Este
é um livro espantoso, tão simples e ao mesmo tão abstracto, sobre a música
infinita de Johann Sebastian Bach.
O
que o autor faz é uma espécie de declaração de amor, ao mesmo tempo ternurenta e
poética, sobre a consequência do esplendor das partituras de um dos artífices
mais universais da cultura humana.
É
uma espécie de Via Crucis amorosa, também ela dividida por 14 estações, onde, em
notas de pé de página, vamos escutando uma espécie de banda sonora com que podemos
acompanhar cada uma daquelas estações. Para cada passo uma proposta, um BWV,
costurando uma ficção ou um projecto de ficção.
Anna
Magdalena Bach (1750). Esther Meynell (1925). Jean-Marie Straub e Danièle
Huillet (1968). Gustav Leonhardt (1973). Glenn Gould (1981). John Cage (1961).
Gottfried Wilhelm Leibniz (1714). Maria Gabriela Llansol (1984). Martin Luther
(1528). Jeshua Ben-Josef (S/D). Etty Hillesum (1943). «Ich Habe Genug» (sem
texto). Albert Schweitzer (1959). Terminando com «2002» o mais comovente hino à
música e ao futuro: pelo corredor fora, pela noite fora, um pai embala a filha
bebé no escuro, sussurrando-lhe uma das mais belas canções-árias da Paixão de
São Mateus: “Mache dich, mein Herze, rein” mesmo sem saber lá bem o que as
palavras dizem. O pai vai de um lado para o outro, pensando no trabalho que
chegará no dia seguinte, ouvindo os carros lá fora e recordando que dois aviões
um ano antes chocavam contra duas torres desabando sobre três mil pessoas.
Um
livro que, nas efémeras entrelinhas da música que se ouvem e depois mergulham no
silêncio, conta a possível história íntima do nosso século XX.
No
fim, volto atrás, e procuro insistentemente o capítulo dedicado à minha ária da
Paixão de São Mateus: “Erbarme dich, Mein Gott, um meiner Zähren willen!”.
Porém, não o encontro. A descrição poética, quase humildade, de Pedro Eiras foi
obrigada a muito escolher perante tal universo musical. Eu desculpo-o e crio um
15º capítulo para essa canção que dedico a Jordi Savall e a Ton Koopman que uma
noite ouvi em concerto tocando as sonatas de J.S. Bach para cravo e viola da
gamba.
Um
livro quase silencioso e inesquecível.
jef,
agosto 2023
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