terça-feira, 8 de agosto de 2023

Sobre o livro «Bach» de Pedro Eiras. A Phala/50. Assírio & Alvim, 2015.



 















Este é um livro espantoso, tão simples e ao mesmo tão abstracto, sobre a música infinita de Johann Sebastian Bach.

O que o autor faz é uma espécie de declaração de amor, ao mesmo tempo ternurenta e poética, sobre a consequência do esplendor das partituras de um dos artífices mais universais da cultura humana.

É uma espécie de Via Crucis amorosa, também ela dividida por 14 estações, onde, em notas de pé de página, vamos escutando uma espécie de banda sonora com que podemos acompanhar cada uma daquelas estações. Para cada passo uma proposta, um BWV, costurando uma ficção ou um projecto de ficção.

Anna Magdalena Bach (1750). Esther Meynell (1925). Jean-Marie Straub e Danièle Huillet (1968). Gustav Leonhardt (1973). Glenn Gould (1981). John Cage (1961). Gottfried Wilhelm Leibniz (1714). Maria Gabriela Llansol (1984). Martin Luther (1528). Jeshua Ben-Josef (S/D). Etty Hillesum (1943). «Ich Habe Genug» (sem texto). Albert Schweitzer (1959). Terminando com «2002» o mais comovente hino à música e ao futuro: pelo corredor fora, pela noite fora, um pai embala a filha bebé no escuro, sussurrando-lhe uma das mais belas canções-árias da Paixão de São Mateus: “Mache dich, mein Herze, rein” mesmo sem saber lá bem o que as palavras dizem. O pai vai de um lado para o outro, pensando no trabalho que chegará no dia seguinte, ouvindo os carros lá fora e recordando que dois aviões um ano antes chocavam contra duas torres desabando sobre três mil pessoas.

Um livro que, nas efémeras entrelinhas da música que se ouvem e depois mergulham no silêncio, conta a possível história íntima do nosso século XX.

No fim, volto atrás, e procuro insistentemente o capítulo dedicado à minha ária da Paixão de São Mateus: “Erbarme dich, Mein Gott, um meiner Zähren willen!”. Porém, não o encontro. A descrição poética, quase humildade, de Pedro Eiras foi obrigada a muito escolher perante tal universo musical. Eu desculpo-o e crio um 15º capítulo para essa canção que dedico a Jordi Savall e a Ton Koopman que uma noite ouvi em concerto tocando as sonatas de J.S. Bach para cravo e viola da gamba.

Um livro quase silencioso e inesquecível.

 

jef, agosto 2023

Sem comentários:

Enviar um comentário