sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Sobre o disco «Ruins» de Grouper, Kranki, 2014









Não sei se quando gostamos muito de um disco não procuramos nele, acima de tudo, os sons ancestrais que nos dizem respeito. A nossa memória musical, o nosso caminho mais alongado, as moléculas perdidas de qualquer coisa desaparecida e de que gostávamos muito.

«Ruins» tem um lado espontâneo e intuitivo, dificílimo de conseguir no mundo musical que, hoje em dia, parece andar verdadeiramente enlouquecido em termos comerciais.

A americana Liz Harris deita mãos e ouvidos a esses princípios, retira-se para casa de uma tia emprestada e vai gravando directamente o som do piano e da voz ao crespúsculo de Aljezur, lá no distante ano de 2011. No final, a oitava faixa “Made of Air” chega depois mas foi gravada antes, em casa materna em Petaluma – Califórnia (2004).

Inicia-se com “Made of Metal”, uma percussão com o vago subterfúgio tribal  sob o som etéreo de ralos ou das rãs. Pouco importa a zoologia. Depois vem o espaço amplo mas com as reverberações das batidas nas cordas do piano vindos do eco de um sótão plantado à beira Atlântico.

Pelo meio, “Labyrinth” é concluído com um bip de micro-ondas. A electricidade volta a casa da tia do Sérgio e a máquina presta tributo musical ao sereno vazio Vicentino. E não lhe foi recusado.

Tudo sem início, tudo sem fim. Mas muito belo.


(Ah! E lá fui anotando sem critério alguns dos tais caminhos ancestrais – «From Gardens Where We Feel Secure» de Virginia Astley (1983); Brian Eno; Erik Satie; Feist; «Dehli9» dos Tosca (2003), …


jef, janeiro de 2024

 

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