O
cinema de Nuri Bilge Ceylan vive da paisagem como personagem e do tempo que ela
entrega às figuras que nela ficam suspensas. É usualmente um tempo de espera,
um tempo quase inconsequente como o ritmo inflexível das estações do ano.
Aqui
o Inverno que cobre o horizonte de uma pequena aldeia pobre da Anatólia na
Turquia acolhe um professor de artes visuais, Samet (Deniz Celiloglu) que vive
entre o tédio branco daquele horizonte e o instável desespero de voltar a
Istambul. Até que a sua aluna preferida, Sevim (Ece Bagci), o acusa de um
procedimento menos próprio, por interesse, provocação ou vingança. Nunca o
saberemos.
Dos
filmes do realizador que me lembro, talvez seja este o que leva essa
instabilidade emocional a um ponto mais forte, tornando a indecisão ou
desespero ou aborrecimento de Samet num quase caso de suspense, envolvendo o
realismo de um regime lectivo autoritário, um ambiente de revolta política violenta,
uma aldeia quase abandonada à sua sorte, uma inconsequente história de afecto
melancólico entre Samet, Nurai (Merve Dizdar) e Kenan (Musab Ekici).
E
se a paisagem é a trave-mestra, aquela que define a beleza como o fulcro estético
do dicionário poético que o realizador constrói para si próprio e para os que
assistem aos seus filme, a verdade é que a ética acompanha-a pelas densas
discussões teóricas sobre o princípio da liberdade individual e o seu afastamento
face à responsabilidade social colectiva, num assomo de existencialismo,
acusado de cobardia. A este respeito veio-me à memória «Malmkrog» de Cristi
Puiu (2020).
Contudo,
já bem avançado vai o filme surge um episódio inusitado que nos faz regressar à
sala de cinema. Samet deve ir à casa de banho e tem de fazer um longo percurso
cenográfico. Essa sequência (talvez dispensável) vem lançar uma suspeita sobre
o protagonista e uma acha para a fogueira das dúvidas. Interessante mas que não
suplanta Pedro Almodóvar em «A Voz Humana» (2020) ou o épico «O Navio» de
Federico Fellini (1983).
Uma
obra que merecerá sempre a nossa melhor atenção.
jef,
janeiro 2024
«As
Ervas Secas» (Kuru Otlar Üstüne / About Dry Grasses) de Nuri Bilge Ceylan. Com Deniz
Celiloglu, Merve Dizdar, Musab Ekici, Ece Bagci, Erdem Senocak, Yüksel Aksu, Münir
Can Cindoruk, Onur Berk Arslanoglu, Yildirim Gücük, Cengiz Bozkurt, S. Emrah
Özdemir, Elif Ürse, Elit Andaç Çam. Argumento: Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan e
Akin Aksu. Produção: Nuri
Bilge Ceylan. Fotografia: Cevahir Sahin e Kürsat Üresin. Música: Philip Timofeyev.
Guarda-roupa: Gülsah Yüksel. Turquia, 2023, Cores, 197 min.
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