quarta-feira, 10 de abril de 2024

Sobre a peça «A Senhora de Dubuque» de Edward Albee, 2024

 




 
























Será toda a tragédia risível?

Será possível sabermos quem o outro representa com apenas 20 perguntas? (Quem somos nós?) 

O serão em casa da Jo e do Sam até está a correr bastante bem, animado com os jogos de sociedade e bebida em abundância. Os três casais reúnem-se com frequência para se divertir e para esconder o que cada um é ou o que representa para o outro. Uma espécie de jogo de espelhos turvos, entre a mentira piedosa, a hipocrisia e o tédio. Mas são amigos e devem cumprir a etiqueta – Jo está doente. E a doença (e a bebida) revela-se como ignição da verdade. Como superar a crise instalada para além das lágrimas e da falsidade? Sam, o marido, é o centro da questão. Como ser ele próprio (não se conhecendo) mas tendo de lidar ao mesmo tempo, e acima de tudo, com um fim anunciado.

Afinal, Sam é a América das guerras, do capitalismo, do racismo e o grupo de amigos, uma sociedade que não se revê e se agride em busca de uma tranquilidade apodrecida.

A questão tem de ser resolvida sem destruir completamente o relvado da casa do casal, sem acabar com a respectiva garrafeira.

A resposta está, uma vez mais, no teatro e nesse modo grego de fazer acontecer o inexplicável. Chega pelo fim da noite, a Senhora de Dubuque com o seu pajem, Oscar. Enquanto a Senhora, imperial, arruma a loiça, Oscar explica que é negro porque a sua pele é negra. Tudo muito simples. Para bom entendedor… Eles não precisam de dizer quem são pois os espectadores possuem o dom da imaginação e neles podem ver o que bem entenderem. A Senhora diz que é a mãe de Jo mas Sam não reconhece qualquer das características da sua sogra. Nem sequer o cabelo cor-de-rosa.

A senhora de Dubuque é uma espécie de Deus ex machina mas ao contrário, aquela que não vem tirar o herói do cadafalso mas, antes, coloca-lo perante os pontos nos is sociais e questioná-lo quem é ele ou quem foi, agora que a morte se aproxima. Quem não precisará de um qualquer cuidado paliativo ao ver-se a braços com a morte iminente da sociedade? Quem é que ainda recorda Karl Marx e Friederich Engels?

Poder-se-ia dizer que a peça é datada num tempo longínquo, americano, caso não estivéssemos todos nós, hoje em dia, agora mesmo, frente-a-frente com a morte iminente da liberdade, da democracia e de um modo inteligente de buscar uma igualdade e uma fraternidade que julgávamos estar assegurada.

(Afinal, quem tem medo de Virginia Wolf? Mas Edward Albee não convidou George e Martha para aquele serão.)


jef, janeiro 2024

«A Senhora de Dubuque» de Edward Albee. Tradução: João Paulo Esteves da Silva. Encenação: Álvaro Correia. Com Fernando Luís (Sam), Manuela Couto (Jo), Renato Godinho (Fred), Benedita Pereira (Carol), Álvaro Correia (Edgar), Sandra Faleiro (Lucinda), Alberto Magassela (Oscar) e Cucha Carvalheiro (Senhora de Dubuque). Cenografia e Figurinos: Nuno Carinhas. Desenho de Luz: Manuel Abrantes. Som: Rui Santos. Produção: Teatro da Trindade INATEL / Culturproject. 110 min (aproximadamente)

 

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