Será
toda a tragédia risível?
Será possível sabermos quem o outro representa com apenas 20 perguntas? (Quem somos nós?)
O serão em casa da Jo e do Sam até está a correr bastante bem, animado com os
jogos de sociedade e bebida em abundância. Os três casais reúnem-se com
frequência para se divertir e para esconder o que cada um é ou o que representa
para o outro. Uma espécie de jogo de espelhos turvos, entre a mentira piedosa, a hipocrisia e o tédio. Mas são amigos e devem cumprir a etiqueta – Jo está
doente. E a doença (e a bebida) revela-se como ignição da verdade. Como superar
a crise instalada para além das lágrimas e da falsidade? Sam, o marido, é o
centro da questão. Como ser ele próprio (não se conhecendo) mas tendo de lidar
ao mesmo tempo, e acima de tudo, com um fim anunciado.
Afinal,
Sam é a América das guerras, do capitalismo, do racismo e o grupo de amigos,
uma sociedade que não se revê e se agride em busca de uma tranquilidade apodrecida.
A
questão tem de ser resolvida sem destruir completamente o relvado da casa do
casal, sem acabar com a respectiva garrafeira.
A
resposta está, uma vez mais, no teatro e nesse modo grego de fazer acontecer o
inexplicável. Chega pelo fim da noite, a Senhora de Dubuque com o seu pajem,
Oscar. Enquanto a Senhora, imperial, arruma a loiça, Oscar explica que é negro
porque a sua pele é negra. Tudo muito simples. Para bom entendedor… Eles não
precisam de dizer quem são pois os espectadores possuem o dom da imaginação e neles
podem ver o que bem entenderem. A Senhora diz que é a mãe de Jo mas Sam não
reconhece qualquer das características da sua sogra. Nem sequer o cabelo cor-de-rosa.
A
senhora de Dubuque é uma espécie de Deus ex machina mas ao contrário, aquela
que não vem tirar o herói do cadafalso mas, antes, coloca-lo perante os pontos
nos is sociais e questioná-lo quem é ele ou quem foi, agora que a morte se
aproxima. Quem não precisará de um qualquer cuidado paliativo ao ver-se a
braços com a morte iminente da sociedade? Quem é que ainda recorda Karl Marx e
Friederich Engels?
Poder-se-ia
dizer que a peça é datada num tempo longínquo, americano, caso não estivéssemos
todos nós, hoje em dia, agora mesmo, frente-a-frente com a morte iminente da
liberdade, da democracia e de um modo inteligente de buscar uma igualdade e uma
fraternidade que julgávamos estar assegurada.
(Afinal,
quem tem medo de Virginia Wolf? Mas Edward Albee não convidou George e Martha
para aquele serão.)
jef,
janeiro 2024
«A
Senhora de Dubuque» de Edward Albee. Tradução: João Paulo Esteves da Silva. Encenação:
Álvaro Correia. Com Fernando Luís (Sam), Manuela Couto (Jo), Renato Godinho
(Fred), Benedita Pereira (Carol), Álvaro Correia (Edgar), Sandra Faleiro
(Lucinda), Alberto Magassela (Oscar) e Cucha Carvalheiro (Senhora de Dubuque).
Cenografia e Figurinos: Nuno Carinhas. Desenho de Luz: Manuel Abrantes. Som: Rui
Santos. Produção: Teatro da Trindade INATEL / Culturproject. 110 min
(aproximadamente)
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