Quase
no final do filme, existe uma longa pausa, um plano longo sobre uma torneira que, como metrónomo, faz cair sistematicamente o pingo de água sobre um lava-loiças.
Esta pausa, suspensão, serve de consciência e recuperação emocionais ao espectador
após a leitura da redacção que Michio (Michihiro Mori) escreveu na escola sobre
os acontecimentos que até ali nos foram relatados. O espectador chora, como toda a
família chora, enquanto a leitura é feita em voz alta.
É
surpreendente como a história nos é oferecida sem um pingo de maldade, de um modo
tão clássico, tão dramático como se tudo ocorresse em cima de um palco. Planos sempre repetidos sobre rotinas diárias. Casas humildes de uma família remediada num
bairro quase pobre. O pós-guerra subentendido e a sobrevivência familiar a ser
testada sobre tradições ancestrais.
Também
em «Primavera Tardia» (Yasujiro Ozu, 1949), existe uma cena final de uma maçã a
ser descascada, suspendendo a acção sobre a comoção. Também em «O Som do
Nevoeiro» (Hiroshi Shimizu, 1956) existe esse tempo desencontrado, feito de
emoção, espera e luto por cumprir.
Como
em «Aniki Bóbó» (Manoel de Oliveira, 1942), a narrativa neorrealista é colocada,
absoluta, nas mãos das crianças. Ao contrário de «Bom Dia» (Yasujiro Ozu, 1959),
onde a infância é tida por radiosa, colorida, símbolo de revolta benévola e
acção do futuro contra a tradição.
Não
existe melhor forma de compreender a ondulação emocional que integra a perda de
alguém e o luto efectivo. O pombo que voa, aparecendo e reaparecendo vindo dos céus,
a fotografia de uma mãe que aparece e reaparece da gaveta ou de dentro do caderno
escolar. O tempo que espera, a paciência oferecida, a bondade exigida, o perdão necessário. O carinho como solução.
Uma
absoluta obra-prima Se o espectador sair do filme de olhos enxutos, deve verificar se o seu coração não terá sido trocado por uma rocha eruptiva.
jef,
janeiro 2025
«Imagem
de Uma Mãe» (Haha no omokage) de Hiroshi Shimizu. Com Jun Negami, Michihiro Mori,
Chikage Awashima, Sachiyo Yasumoto, Bontaro Miake, Chieko Murata, Satoko Minami,
Tamae Kiyokawa, Nobuo Minamitaka, Tatsuo Hanabu, Yosuke Irie, Tsutomu Nakata, Kan
Takami, Kenji Oyama. Produção: Fujio
Nakashiro, Kazuyoshi Takeda. Fotografia: Hiroshi Ishida. Música: Yuji Koseki.
Guarda-roupa: Julie Harris. Cenografia: Sidney Cain e Robert Laing. Japão, 1959,
P/B, 89 min.
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