Um livro de quase encontros, onde as personagens quase se
tocam (ou se imaginam) através da memória e da própria consciência, mesmo que
vaga, mesmo que condicionada. Um espaço que está embutido numa outra era,
talvez mais isolada, talvez mais cerebral.
Uma cidade sem telemóveis situada junto a algumas colinas florestais,
com uma revolução antiga capturada por um fotógrafo de rua. Uma casa, local amplo (ou
restricto) onde um pavilhão nas traseiras serve de refúgio a Filipe, um coleccionador
de borboletas e clarinetista por “imposição clínica”. Um filho, Eduardo,
encontrado tardiamente, com quem as conversas são trocadas para esgrimir o empirismo
cartesiano da ciência, que tudo anseia explicar, contra a fluidez menos
dogmática de um espírito que não necessita de tudo catalogar para se sentir
tranquilo.
«A realidade humana não se pode
esgotar naquilo que o seu corpo precisa. A realidade humana está muito para
além disso. Muito para além da matéria que o compõe. É de cultura, da cultura e
do espírito, que eu falo…»
Contudo, o passado existe e condiciona. Madalena, a mãe, firme
e obstinada (e obcecada) pela estética vermelha de uma ditadura que
revolucionaria o futuro do mundo mas que, afinal, apenas lhe veio cativar o
casulo colorido onde escondeu o seu presente.
Eduardo também será fruto do casulos dos outros, a partir dos
quais teceu os fios da teia de memórias alheias, onde se aprisionou. Talvez seja a partir delas que venha a possibilidade de se libertar.
A todos o direito (talvez o dever) da sua própria
espiritualidade. Espiritualidade, sem dogmas ou Deus, cingida apenas pelo livre
arbítrio que é cativo apenas de um corpo que o tempo vai moldando.
Um tempo tão efémero quanto o concedido à vida de uma frágil mas bela borboleta. Ou do instintivo e breve som que se escapou de uma ária para clarinete.
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