segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Sobre o livro «Chá de Asas de Borboleta» de Luís Natal-Marques, Zaina Editores, 2022

 


Um livro de quase encontros, onde as personagens quase se tocam (ou se imaginam) através da memória e da própria consciência, mesmo que vaga, mesmo que condicionada. Um espaço que está embutido numa outra era, talvez mais isolada, talvez mais cerebral.

Uma cidade sem telemóveis situada junto a algumas colinas florestais, com uma revolução antiga capturada por um fotógrafo de rua. Uma casa, local amplo (ou restricto) onde um pavilhão nas traseiras serve de refúgio a Filipe, um coleccionador de borboletas e clarinetista por “imposição clínica”. Um filho, Eduardo, encontrado tardiamente, com quem as conversas são trocadas para esgrimir o empirismo cartesiano da ciência, que tudo anseia explicar, contra a fluidez menos dogmática de um espírito que não necessita de tudo catalogar para se sentir tranquilo.

«A realidade humana não se pode esgotar naquilo que o seu corpo precisa. A realidade humana está muito para além disso. Muito para além da matéria que o compõe. É de cultura, da cultura e do espírito, que eu falo…»

Contudo, o passado existe e condiciona. Madalena, a mãe, firme e obstinada (e obcecada) pela estética vermelha de uma ditadura que revolucionaria o futuro do mundo mas que, afinal, apenas lhe veio cativar o casulo colorido onde escondeu o seu presente.

Eduardo também será fruto do casulos dos outros, a partir dos quais teceu os fios da teia de memórias alheias, onde se aprisionou. Talvez seja a partir delas que venha a possibilidade de se libertar.

A todos o direito (talvez o dever) da sua própria espiritualidade. Espiritualidade, sem dogmas ou Deus, cingida apenas pelo livre arbítrio que é cativo apenas de um corpo que o tempo vai moldando.

Um tempo tão efémero quanto o concedido à vida de uma frágil mas bela borboleta. Ou do instintivo e breve som que se escapou de uma ária para clarinete.


jef, fevereiro 2025

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