terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Sobre a peça «A Farsa de Inês Pereira» de Pedro Penim a partir de Gil Vicente, Teatro Variedades 2025



 






















Será mesmo que aquela cena da cadeira foi surripiada do original, oferecendo aquele diálogo “fora de cena” entre os actores Rita Blanco e Hugo van der Ding, arrastando uma humilde cadeira de escritório e os papéis com o texto por dizer? Não me lembro… Os tempos do liceu já vão há muito!

A transcrição de Pedro Penim do texto de Gil Vicente (se falássemos em termos musicais) coloca-nos nesse estado de entre-tempos, entre-modos, entre-morais revelando uma vez mais que o acto dramático é um acto perene. Mesmo que seja representado 502 anos mais tarde, as preocupações e a ironia do género humano mantêm-se de pedra e cal, e o humor do grande dramaturgo revela uma actualidade à prova de relógio ou calendário: 1523-2025!

A cena de abertura da mãe de Inês, Violante, hirta, toda vestida de preto farfalhudo, pugnando pelo trabalho ininterrupto e eterno como princípio vital, pelo sacrifício da mulher como segurança divina, contrasta com todo o decorrer restante da peça onde Inês, deitada rebolando-se na grande cama, recebe os dizeres das alcoviteiras e as propostas casamenteiras. Inês rejeita a moral materna, a política medieval e procura nada fazer em troca de um marido, burguês e rico. Novos tempos chegam com o século XVI. Velhos tempos estes, os do século XXI. A mesma sina. Inês erra com o fanfarrão Brás da Mata, possessivo e castigador, mais tarde aceita de volta a bonomia do camponês endinheirado, Pêro Marques, gozando depois a vida nas ingénuas barbas deste.

Num cenário Pop, um enorme pórtico ogival evidencia as projecções vídeo que fazem de epígrafe a cada cena, legendando-as como nos micro-vídeos para Instagram ou Tic-Toc. À sua volta, demónios espreitam à boa maneira medieval e as portas por onde as cenas se esvaem e as figuras entram e saem ficam tão discretas quanto fantasmagóricas, como um novo gótico modernista, mas sem desvirtuar a comicidade do velho texto de Gil Vicente ou a respectiva adulteração poética, aliás divertidíssima, de Pedro Penim.

Apenas não compreendi a necessidade da cena final, onde Inês parece expiar as suas mágoas ou louvar o seu bom destino, deitada, vogando no rio, feita Ofélia “pré-rafaelita”.

Sem dúvida, uma peça importante que integra a nova e profícua era do teatro português contemporâneo, Pop e popular. Político e provocador.

Uma peça que dá vontade de ir pegar novamente nas velhas selectas de língua portuguesa dos liceus.


16 de fevereiro de 2025

«A Farsa de Inês Pereira» de Pedro Penim a partir de Gil Vicente. Encenação: Pedro Penim. Com Ana Tang, Bernardo de Lacerda, Hugo van der Ding, June João, Rita Blanco, Stela, Vítor Silva Costa. Cenografia e adereços: Joana Sousa. Figurinos: Béhen. Desenho de Luz: Daniel Worm d’Assumpção. Desenho de som e sonoplastia: Miguel Lucas Mendes. Vídeo: Jorge Jácome. Produção: Teatro Nacional D. Maria II. Duração: 100 minutos aproximadamente. Teatro Variedades.

De 12 de fevereiro a 2 de março. Quarta e Quinta 20h00. Sexta 21h00. Sábado 19h00. Domingo 16h00

 

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