Bem vistas as coisas, o filme, com a devida divulgação e a
antiga e bela moda das salas de cinema cheias, poderia recolher os mesmos sucesso e amabilidade populares que tiveram filmes
como «O Carteiro de Pablo Neruda» (Michael Radford, 1994) e «Cinema Paraíso» (Giuseppe
Tornatore, 1988). Pelas mesmas razões, talvez deixará os críticos sem saber se
devem gostar mas dizer um pouco mal do filme ou, pelo contrário, não gostar assim
tanto porém sublinhar-lhes os atributos.
No último Festival de Cannes recebeu o prémio de Melhor Argumento,
e com toda a justiça. «Feliz como Lázaro» tem a boa marca dos filmes
italianos que atraem de modo sonoro e estético (penso que será também o poder amoroso do som daquela língua) entretendo pela teia narrativa, pela enérgica correria dos actores,
pela feia beleza dos cenários.
Os espectadores entram a meio da história e a realizadora coloca-os
logo na inviolada aldeia Inviolata, frente a uma serenata nocturna, dentro de
um casebre a transbordar de velhos, novos e crianças. Apenas uma lâmpada para
vários quartos. São actores e não actores misturados a dar corpo à alegre tragédia
de não haver comida. Estamos na propriedade da rainha dos cigarros e do resto,
a Marquesa Alfonsina de Luna (Nicoletta Braschi).
No centro, com poucas palavras e em constante movimento, circula
uma espécie de tolo-querubim, um faz-tudo-tudo-aceita, que se move a mando
alheio, apenas pela bondade de ajudar. E de todos entender. O seu nome, Lázaro (Adriano
Tardiolo). E compreender-se-á depois por que razão.
Lázaro também ajuda Tancredi (Luca Chikovani), o filho mimado
da marquesa. Nasce ali uma amizade que se manterá através do tempo.
Seguidamente, uma nova época rodeia Lázaro, e aí, uma dupla
de actores transforma novamente o percurso do protagonista e o do espectador: Alba
Rohrwacher (Antonia) e Sergi Lopéz (Ultimo). O filme, por mim, está ganho!
«Feliz como Lázaro» é uma comédia dilacerada sobre a pobreza,
a circulação restrita da riqueza, a expansão sistemática da escravatura. O
filme começa como uma história vinda do realismo literário, empenhado e romântico,
do século XIX mas termina de modo voraz nas tenazes afiadas do nosso próprio século
XXI.
jef, outubro 2018
«Feliz como Lázaro» (Lazzaro felice) de Alice Rohrwacher. Com
Adriano Tardiolo, Agnese
Graziani, Luca Chikovani, Nicoletta Braschi, Alba Rohrwacher, Sergi López, Natalino
Balasso, Tommaso Ragno. Itália, 2018, Cores, 125 min.
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