Digamos que «Girl» é um filme improvável.
É também um filme discreto que foge aos clichés que se esperariam
ao abordar um dos temas da moda, ditos, sabe-se lá por que razão, fracturantes.
Ainda por cima, sobre a realidade biográfica de um jovem.
Assim, «Girl» é um filme também sério, sensível, bipolar.
Bipolar, pois Lara deseja tanto ser rapariga como
ser bailarina clássica, apesar das dificuldades da transformação hormonal,
apesar das características morfológicas do corpo de rapaz. O realizador Lukas
Dhont dá muito mais forma ao esforço exigido a uma jovem bailarina do que à
preparação médica, colocando em primeiro lugar a tenacidade superior de uma
vontade e o enquadramento amoroso de uma família exemplar.
Sério, pois apesar de ser um filme político sobre a aceitação
social do esforço de transformação de um adolescente, centra-se no tónus
muscular exigível, dando corpo à angústia tão desesperada quanto melancólica pela
ansiada mudança. Os reais suor, sangue e lágrimas de Lara nos ensaios (passo eu
o cliché) são ultrapassados pela extraordinária sensibilidade emocional do actor
Victor Polster, explorada sem nunca sentirmos a câmara tocar a fronteira fácil do
voyeurismo mórbido. Sim, Victor Polster merece um prémio!
«Girl», nessa dualidade da transformação de um corpo pela
violência do bailado e pela violência sexual que a adolescência sempre obriga,
concluído com um unhappy–happy end, é
acima de tudo um filme de um novo e terno “realismo”.
jef, dezembro 2018
«Girl: O Sonho de Lara» (Girl) de Lukas Dhont. Com Victor
Polster, Arieh Worthalter, Oliver Bodart, Katelijne Damen e Tijmen Govaerts. Argumento:
Angelo Tijssens. Holanda / Bélgica, 2018, Cores, 109 min.
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