«O exercício das letras é misterioso. Aquilo que opinamos é
efémero e opto pela tese platónica da Musa e não pela de Poe, que razoou, ou
fingiu razoar, que a feitura de um poema era uma operação da inteligência. Não
deixa de me admirar que os clássicos professassem uma tese romântica e que um
poeta romântico adiantasse uma tese clássica.»
Borges assim razoou, e contra ele próprio escreveu, no prólogo
breve que antecede e apazigua, sem “esclarecer”, estes onze contos, ímpares e díspares entre si, onde a
imaginação e a ignomínia colocam o leitor, direi melhor, o ouvinte, numa posição
de amável ferocidade, pois quem escreve o toma por cúmplice e quase padrinho
destas somíticas, por sucintas, notas da vida das palavras.
O espaço não tem espaço. Situa-se algures na grande América Latina,
entre a Argentina, o Chile ou o Brasil, os pampas e os gaúchos, gente de garra
e farpa, faca e sangue. Pouca fala, muito embuste. Num tempo sem tempo onde a
história era ouvida e re-ouvida, alterada e acrescentada ao sabor dos pontos e
dos contos por quem ia passando.
Quem lê pode nem ficar interessado em esclarecer o facto de
as personagens que narram e escutam virem do limbo da pura ficção ou serem sonegadas de uma realidade tão mágica quanto cruel.
Aqui aprende-se a ler, ultrapassando a barreira da fantasia,
sem alguma vez colocar em causa o princípio da beleza da prosa e o espírito
breve do sonho e da tragédia.
jef, dezembro 2018
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