Um ventoso e húmido descampado com um pequeno parque infantil
no centro, rodeado de um casario, triste e térreo, que poderia sair de um
western, «Quem Matou Liberty Valance» (John Ford, 1962). Estamos perto de uma
praia romana semelhante às imagens que surgem em «Querido Diário» (Nanni
Moretti, 1993) quando nos aproximamos do local onde Pier Paolo Pasolini foi
assassinado. São estas imagens exteriores, palco de uma comédia sangrenta que tende
para uma tragédia ‘verdiana’ onde a bondade extrema, quase canina, se vai
confundindo numa sucessão violenta de mal-entendidos e traição pura.
Os cenários interiores são belos e degradados mas nem tempo
temos de lhe dar a atenção devida, como no claustrofóbico «Cães Danados»
(Quentin Tarantino, 1992). O hotel para cães do amoroso Marcello (Marcello
Fonte) vive paredes meias com uma casa de compra e venda de ouro e com um amigo
violento e néscio, viciado em cocaína, de nome Simone (Edoardo Pesce). Marcello
deseja dar férias de sonho a sua filha mas o dinheiro não chega. Para isso,
trafica droga. Marcello ama-a e ama os cães. Mas nem assim Marcello deixará de
ser atraiçoado pela lealdade e pela vingança.
A luz, a cor, os planos, os retratos, são quase renascentistas.
Todo o filme segue o corpo e a expressão dramáticas do actor Marcello
Fonte. Também Marcello Fonte é todo o filme e recebe a palma de ouro em Cannes.
Os cães recebem o DogPalm, e merecem. Sem a sua presença, sublinhando, por
comparação-contradição, esse benévolo e crente princípio da humanidade, a vocação de anjo
caído de Marcello não faria sentido.
jef, janeiro 2019
«Dogman» de Matteo Garrone. Com Marcello Fonte, Edoardo
Pesce, Nunzia Schiano, Alida Baldari Calabria, Adamo Dionisi, Aniello Arena,
Francesco Acquaroli, Gianluca Gobbi, Giancarlo Porcacchina, Laura Pizzirani.
França / Itália, 2018, Cores, 103 min.
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