Sem dúvida, aqui está o génio de Howard Hawks.
Não existe filme onde se matam tantos em tão pouco tempo,
onde as mulheres se vestem tão bem, onde a elegância dos homens está sublinhada
no modo como desviam a aba do chapéu, como riscam um fósforo, como atiram a
moeda ao ar com displicência e provocação, como pegam num cigarro ou numa
metralhadora, dessas, de estilo e tambor circular.
Sobretudo a arte do realizador está no toque inigualável feito de humor
desbragado e sobriedade estética. Nessa longa cena inicial que
termina na primeira morte do filme, a de Louie Costillo (Harry J. Vejar), pelo
revólver de uma sombra fugaz e pelo mistério de um assobio – o já sintomático
assobio de Tony Camonte ‘Scarface’, um Paul Muni assassino gabarola, sortudo,
apaixonado e divertido.
Estamos na época da Lei Seca e Al Capone já cumpria pena por
evasão fiscal e não pela morte de mais de 400 cidadãos. Estamos na época em que
o expressionismo alemão filmava o olhar das mulheres em plano grande, com
terror, sedução e longas pestanas. Estamos no centro de um enorme filme de
Howard Hawks que faz do riscar do fósforo um acto de máxima provocação,
quando é feito na estrela do xerife ou quando oferecido a Poppy (Karen Morley),
futura amante, contra a chama do isqueiro do patrão e rival, Johnny Lovo (Osgood Perkins).
Filme inicial por transformar a maior comédia sangrenta, com
pouco sangue e muitas sombras, numa tragédia quase grega com
epílogo operático quando os dois irmãos Tony e Cesca (Ann Dvorak) se declaram
um ao outro, provando o amor pelo manejar das armas.
Tudo neste filme é estudado para nos transmitir o efeito
teatral, artificial, para ampliar o deslumbramento e conhecermos a verdade que
está contida na arte do verdadeiro cinema.
jef, janeiro 2019
«Scarface, O Homem da
Cicatriz» (Scarface, Shame of A Nation) de Howard Hawks. Com Paul Muni, Ann
Dvorak, Karen Morley, Osgood Perkins, Boris Karloff, C. Henry Gordon, George
Raft, Purnell Pratt, Vince Barnett, Inez Palange, Harry J. Vejar, Edwin
Maxwell, Tully Marshall, Henry Armetta, Maurice Black, Bert Starkey, Paul Fix,
Hank Mann, Charles Sullivan, Harry Tenbrook, John Lee Mahin, Howard Hawks,
Dennis O’Keefe. Música: Adolph
Tandler, Gustav Arnhelim. Fotografia: Lee Garmes, L. William O’Connell. 1932, EUA,
P/B, 86 min.
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