Não será pelo filme apresentar os actores em nome próprio, o pescador Albertino Lobo e a sua família, dentro da sua casa à beira do seu rio Tejo e à beira da sua cidade, Vila Franca de Xira, que o filme se torna um documentário. Existe uma transformação estética e uma transfiguração ficcional no filme que o desloca da realidade, fornecendo um facto diverso através de cenas aparentemente retiradas directamente do quotidiano. Afinal, no dia-a-dia nada se passa… Este nó górdio (ou engodo) captado pelo espectador, agora aprisionado, chama-se acto artístico.
Leonor Teles filma o snack-bar Rosinha; o bairro dos
pescadores e a preocupação pela não renovação da licença de pesca ou pela apreensão das artes de
pesca ou pela captura ilegal de meixão; os nervos pela brevidade de um
casamento; as vantagens de um novo aspirador. No centro, o olhar matriacal, seguro e terno, apaziguador ou suavemente castigador, de Dália Lobo. Tudo é filmado sem sombra de catequização
política em torno das condições de vida ou do trabalho. Mas elas estão lá («Eles
não passaram fome, foi a fome que passou por eles.», repete Albertino).
A realizadora deseja somente filmar um anti-herói, estátua
realista erguida no centro do seu próprio barco, vista de baixo para cima, mãos fortes e determinadas, ser solitário apesar de tutelar no seio da família, do bairro, da cidade. Albertino e o seu longo tempo e o seu eterno espaço, vindo do
passado para o futuro, ao ritmo das estações do ano e do levantar das nassas. O rio
Tejo como habitat e habitáculo.
jef, janeiro 2019
«Terra Franca» de Leonor Teles. Com Albertino Lobo e a sua
família. Portugal, 2018, Cores, 80 min.
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