Este é o seu derradeiro filme e, visto 42
anos depois, surge como uma espantosa brincadeira. Tal como Verdi
quando compôs o derradeiro e irónico «Falstaff». Tal como Shakespeare quando escreveu
a fantasiosa e última «A Tempestade».
Tal como Jean Cocteau ou
Stanley Kubrick, Luis Buñuel também se move pelo instinto estético para ir
construindo uma obra, muito mais do que pela coerência lógica da narrativa.
E eu, que nada percebo de
psicanálise, mas se tivesse de a explicar a alguém, colocaria esse alguém diante
desta portentosa comédia que assim cruza ostensivamente a pulsão que o homem sente por um desejo impossível de concretizar. Enquanto este se vicia na
própria busca inconsequente, a sociedade e as suas circunstâncias, vão-se desmoronando à sua volta pelas mãos do grupo terrorista «Guerrilheiros do Menino Jesus».
Por que será que o bem
instalado e quase velho Mathieu (Fernando Rey) se apaixona por Conchita (Carole
Bouquet /Angela Molina), empregada doméstica ou de vestiário, virgem amante,
prostituta terrorista, dançarina de frontal-peep-show, que o impede, no entanto, de se
aproximar ao mesmo tempo que se mostra com o jovem ‘El Morenito’ que, afinal, não tem muito
interesse por mulheres?
Ma, acima de tudo, por que razão
Conchita é representada alternadamente por duas actrizes visivelmente distintas
e de guarda-roupa não coincidente, facto que não perturba Mathieu mas que espanta
Édouard (Julien Bertheau) ou, quando está com a sua mãe (Maria Asquerino), surge igual a si mesma Conchita, sempre Carole Bouquet?
O que estará dentro do
saco fechado? Qual a razão do rato morto na ratoeira ou da mosca a nadar no
dry-martini? Por que é que a cigana traz na manta um porquinho em vez de uma criança?
Por que toda a história é contada em flash-back, narrada com toda a ironia por Mathieu a uma audiência
muito diversa mas muito interessada no interior de um compartimento do comboio?
Por que se agridem eles
com baldes de água e, no final, o olhar de Mathieu fica aprisionado a uma montra onde
é cerzida uma colcha suja e defeita?
Wagner combinará com tudo
isto?
Na realidade tudo faz
sentido em «Este Obscuro Objecto de Desejo».
Sentido, de sentimento.
Sentido, de senso.
jef,
junho 2019
«Este Obscuro Objecto de Desejo»
(Cet Obscur
Object Désir) de Luis Buñuel. Com Fernando Rey, Carole Bouquet, Angela Molina,
Julien Bertheau, David Rocha, André Weber, Milena VukovicMaria Asquerino,
Pieral, Muni, Ellen Bahl, Jacques Debray, Valérie Bianco, Bernard Musson,
Claude Jaeger. Música: Flamengo e extractos da Valquiria de Richard Wagner. França
/ Espanha, 1977, Cores, 104 min.
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