Tomemos o filme como a
comédia que, na realidade, é. Uma comédia sobre o fim de um ciclo, o fim de festa.
Alexandre (Jean-Pierre Léaud) não trabalha, não tem casa. Ele afirma que assim
jamais ficará sem ela. Entre cafés e whiskeys tomados no Les Deux Magots e no
Café de Flore (sob a vigilância de André Téchiné), ele declara que já não
existem lutas e guerras românticas, nem sequer rock a sério ou cabelos compridos.
Já nada há para ler nos jornais da actualidade.
Todos se sentam e
caminham sobre a cama, em casa de Marie (Bernadette Lafont) – a Mãe. Não se
descalçam. Bebem muito, discursam e ouvem o Concerto sinfónico dos Deep Purple.
Outros acabam de comprar o disco “La Belle Hélène” de Jacques Offenbach e surpreendem-se
por alguém se vestir todo de verde. Outro rouba uma cadeira de rodas a um
paralítico.
Alexandre pensa em
Gilberte (Isabelle Weingarten) (– a Esposa) mas acaba por seduzir Véronika (Françoise
Lebrun) – a Puta.
Paris já nada tem para
mostrar, o Maio de 68 terminou, a esperança empalidecera. A Europa começava a
afundar-se no terrorismo. Todo o entusiasmo parecia definhar. A Nouvelle Vague
ficara velha. Jean-Luc Godard fugira. Tão perto e já tão longe iam “O Acossado”
(Jean-Luc Godard, 1959), “Hiroshima, meu Amor” e “O Último Ano em Mariembad” (Alain
Resnais, 1959, 1961) ou “Os 400 Golpes” e “Jules e Jim” (François Truffaut, 1959,1962).
Entretanto, a dúvida
persiste para Alexandre. O quarto já não devolve o exterior da sociedade através da janela. E o reflexo do vidro que restitui, afinal, o centro de uma certa clausura que se pretende ainda libertária mas apenas revela a própria imagem. Marie, Alexandre
e Véronika sustentam a imagem da leveza durante toda a longuíssima metragem,
e a vida corre suspensa por eles. Até que…
… até que ouvimos toda a
canção de Léo Ferré “Les Amants de Paris” cantada por Édith Piaf, e Marie,
sozinha, esconde a cara nas mãos. Talvez chore.
… até que Véronika faz um
longo discurso dramaticamente desesperado e repetitivo enquanto as lágrimas lhe
escorrem pelas faces.
… até que Alexandre se
senta no chão do quarto de Véronika enquanto ela lhe pede uma bacia para
vomitar.
E a comédia termina e o mundo desaba.
Um filme infalível, todo
ele assente literariamente na palavra discursada. Um filme que falará eternamente à sociedade em crise permanente, emocional e suicidária.
Também ele, Jean Eustache,
se suicidaria em Paris, oito anos depois.
jef, julho 2022
«A Mãe e a Puta» (La
maman et la putain) de Jean Eustache. Com Jean-Pierre Léaud,
Bernadette Lafont, Françoise Lebrun, Isabelle Weingarten, Jacques Renard, Jean-Noël
Picq, Jessa Darrieux, Berthe Granval, Geneviève Mnich, Marinka Matuszewski, Jean-Claude
Biette, Pierre Cottrell, Jean Douchet, Douchka, Bernard Eisenschitz, Jean
Eustache, Caroline Loeb, Noël Simsolo, André Téchiné. Argumento: Jean Eustache.
Produção: Elite Films, Ciné Qua Non, Les Films du Losange, Simar
Films, V.M. Productions - Vincent Malle Productions. Fotografia: Pierre L'homme.
França, 1973, P/B, 220 min.
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