O que o autor faz é impressionante. Troca-nos as voltas e
levanta o véu, perante a nossa compreensão emocional, da guerra mais
incompreensível (incompreendida) de sempre – Espanha 1936-1939.
E usa um truque que em literatura se dá o nome de génio
narrativo: conta-nos a história por três vezes (não esquecer Lawrence Durrell),
em três perspectivas díspares, em três estados de alma quase opostos. Declara
que, embora seja jornalista, embora esteja num momento depressivo, numa altura
em que a autoestima de escritor não anda pelo melhor e o momento afectivo ainda
é pior, declara pois que deseja consumar não um romance mas um “relato real”
sobre uma personagem única no interior de uma circunstância única passada na
Catalunha, nesse inverno de 1939. O primeiro falangista encartado de Espanha,
Rafael Sánchez Mazas, mentor pouco convicto, ideólogo sem coragem mas
extremamente influente do social fascismo em Espanha, escritor menor mas com
estilo, um dos carrascos da eleita República de Espanha e organizador de um dos mais sangrentos fratricídios na Europa.
É igualmente a história lateral, multifacetada e comoventíssima, de tudo
o que rodeia a vida após o fuzilamento de um jornalista com chama, de um
escritor sem nome mas com este colocado em rua espanhola, de um milionário sem
dinheiro, de um ministro insurrecto e diletante de Francisco Franco.
De um humor tão delicioso como subreptício e melancólico, dispõe o
escritor de nome Javier Cercas, órfão tristonho, que busca a chave literária para
o seu “relato real”, em paralelo com o de Rafael Sánchez Mazas, alegre
sobrevivente de uma chacina, escritor sortudo e com ganas de aristocrata ganhador
mas um assumido perdedor.
Um romance comoventíssimo centrado nos segundos em que os
dois lados da guerra se olham, olhos nos olhos, se compreendem e se redimem.
Um texto essencial para reflectirmos sobre todas as guerras do mundo, passadas e contemporâneas.
jef, julho 2022
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