Fico com a sensação de que o realizador Todd Field ficou tão entusiasmado, delirante mesmo, quando conseguiu contratar Cate Blanchett para o papel da maestrina Lydia Tár que se esqueceu que estava perante uma das mais talentosas actrizes contemporâneas, entregando-lhe um papel progressivamente monocórdico, onde a actriz se viu a braços com uma personagem muito má, cuja maldade o argumento pretende justificar por algumas perturbações mentais. E como Cate Blanchett tão luminosamente se desembaraça!! (Cá para mim, a doença mental não poderá justificar o desconcerto social e humano – os sete milhões de vítimas do “perturbado” holocausto que venham dizer…) Contudo, o filme avança, longo, e Cate Blanchett lá para o final vai ter de assumir um papel quase burlesco de mulher louca, viciosa, dominadora, quase maquiavélica. Aí, o filme descamba, para terminar com uma cena absolutamente incompreensível filmando o público de um concerto muito a Oriente.
Que saudades tenho eu de a rever o superlativo «Blue Jasmine» de Woody
Allen (2013).
Todd
Field também não se capacitou que trabalhava com a magnífica Nina Hoss (uma
das almas do realizador alemão Christian Petzold) ou a talentosa Noémie Merlant
(«Paris 13» de Jacques Audiard, 2021), que surgem como simples partenaires secundárias (embora brilhantíssimas partenaires!) da diva Lydia Tár.
Também
não me cheguei a deliciar com o Adagietto da quinta sinfonia de Mahler ou o
Adagio-Moderato do concerto para violoncelo Op. 85 de Edward Elgar. Apenas fiquei
com o profundo desejo de rever, por exemplo, o filme de Visconti ou o maravilhoso «Breve
Encontro» de David Lean (1945), com o concerto para piano n.º 2 de Rachmaninoff.
Este
filme deixou-me incomodado pois eu não esqueço os amabilíssimos concertos
comentados e dirigidos por Leonard Bernstein transmitidos pela RTP, ou as sinfonias n.º 1 e n.º 2 de Beethoven que
eu ouvi, curiosíssimo, no ginásio da Escola Preparatória Eugénio dos Santos, em
Lisboa, dirigidos e comentados pelo maestro José Atalaia. Saí dali e obriguei os
meus pais a darem-me dinheiro para ir a correr comprar o disco à discoteca Roma.
Este
filme incomodou-me pois acredito que os maestros podem ter os seus caprichos, as
taras ou manias, os seus desaguisados com os músicos ou a produção, mas nunca
poderão ser maus para quem ali está a tocar. A música colectiva de uma
orquestra, se assim fosse, seria inaudível, desconjuntada, impossível de ser
concretizada perante uma audiência!
Espero mesmo que nunca tenha existido alguma Lydia Tár de batuta na mão.
jef,
janeiro 2023
«Tár»
de Todd Field. Com Cate Blanchett, Noémi Merlant, Nina Hoss, Sophie Kauer, Mark
Strong, Adam Gopnik, Marc-Martin Straub, Egon Brandstetter, Sylvia Flote, Allan
Corduner, Sydney Lemmon, Nicolas Hopchet, Zethphan D. Smith-Gneist. Argumento: Todd
Field. Produção: Todd Field, Scott Lambert, Alexandra
Milchan, Cate Blanchett . Fotografia: Florian
Hoffmeister. Música original: Hildur Guðnadóttir. EUA, 2022, Cores, 158 min.
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