Nunca
será tarde para reler a obra de uma das escritoras portuguesas mais singulares –
Maria Ondina Braga (1922-2003). Por altura do centenário do seu nascimento, a
Imprensa Nacional – Casa da Moeda editou o primeiro de sete volumes que conterão a
sua obra completa.
Digo
isto com admiração e emoção pois aprendi a ler a autora (e muitos
outros escritores contemporâneos portugueses) através das belíssimas selectas
literárias que Eduarda Dionísio organizava para os liceus. Eduarda Dionísio,
outra grande senhora das artes e letras, recentemente falecida.
Ficava
entusiasmado e pedia aos meus pais para comprar os livros de onde saíam os
trechos e, mais tarde, na Feira do Livro, ia ter com eles e pedia que mos
autografassem. Assim, ganhei a simpatia e, porque não, a amizade de Maria
Ondina Braga, senhora serena, silenciosa, sempre com um sorriso eivado de
cansaço e de letra miudinha e assertiva. Não devia entender lá muito bem a
razão de um miúdo gostar tanto da escrita melancólica de uma mulher vinda de um
universo distante…
…porque
«Estátua de Sal» regressa mesmo de um mundo longínquo. Braga, Goa, Angola,
Londres, Paris, Macau, Hong Kong inscritos em frescos de velha capela ou
pintura rupestre ou baixo-relevo mediderrânico. Tudo soa a incrivelmente íntimo,
a insuperavelmente melancólico, tudo muito simples, directo, límpido, rigoroso,
onde quem narra parece não conter a gigantesca curiosidade pela viagem seguinte
mas sabe, de antemão que, chegada, ela trará o desespero da solidão, até
mesmo o prenúncio do tédio.
(Seria
eu um miúdo solitário à procura de uma razão para um tédio sem plausível explicação?)
Maria
Ondina Braga (uma espécie de Bruce Chatwin das paisagens urbanas, cosmopolitas
e tão povoadas, ou uma Annie Ernaux onde a devoção por um deus
inexistente confere ao íntimo a subtileza poética da oração) concede a narrativa
breve dos instantes puros, trocando-lhes a acção pela profundidade onírica de cada objecto descrito.
A
páginas tantas de «Estátua de Sal», ao deparar em Macau com a cidade balouçante de
juncos e lorchas, onde vive um dos seus alunos com o avô, e para dele se
aproximar, vê-se obrigada a comprar um periquito a uma vizinha mal-encarada.
Acabam a beber chá e o aluno far-lhe-á uma gaiola pois é sempre bom ter umas
asas em casa. Apenas isso. E, no fundo, tudo representa.
Com
Maria Ondina Braga aprendemos a que o tempo escasso da espera é imenso, talvez seja mesmo a
simples eternidade do que poderá nem chegar.
jef, junho 2023
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