Como
sobreviver à morte do pai e da mãe. Como reconhecer o facto de que desapareceu
para sempre o reservatório que sustentava as raízes na nossa memória. Como
entender a carga da ausência total desse amor, a subtileza emocional dos
remorsos associados à inevitável incapacidade de os ter compreendido nos seus
erros como pessoas independentes do nosso ser. Como esquecer as nossas falhas,
a nossa vergonha, o nosso desespero ao querermos, a todo custo, saltarmos para
fora do seu controlo afectivo, das suas limitações e tristezas.
Ao
contrário de Julian Barnes em «Nada a Temer» (Quetzal, 2011), que descreve
também, ao pormenor, essa descida perniciosa ao entendimento impossível de um
passado definitivamente inexorável, mas sempre com a louca tendência britânica
para o humor, Annie Ernaux, em «Um Lugar ao Sol» dedicada à morte e consequente
vida de seu pai, trabalhador, sonhador, envergonhadamente orgulhoso, e «Uma
Mulher» sobre a tenacidade matriarcal de uma mulher em levar até ao último
minuto a sua avante, faz a autora uma espécie de acto de contrição e de
reavaliação emocional e moral do seu próprio comportamento face à morte e vida
dos seus pais.
Annie
Ernaux nunca expõe o seu passado, nem a própria intimidade, mas propõe uma
espécie de estudo clínico, entre o histórico e o psicanalítico, de uma
Normandia onde a fome e a guerra marcaram o tempo do comércio e da
sobrevivência, colocando a sua própria personagem como motor narrativo e
descritivo.
Contudo,
dois "estudos históricos e psicanalíticos" ensopados da fibra
emocional ou do nervo incorrigível com que a morte dos pais nos marca para
sempre.
jef,
junho 2023
Sem comentários:
Enviar um comentário